Para fins de ANPP, tráfico privilegiado pode ser reconhecido antes de sentença

Para fins de ANPP, tráfico privilegiado pode ser reconhecido antes de sentença

A decisão homologatória de acordo de não persecução penal (ANPP) é mero ato judicial de natureza declaratória. A análise deve recair apenas sobre a voluntariedade e a legalidade da medida, e não cabe ao magistrado emitir opinião quanto ao conteúdo do ajuste firmado entre o Ministério Público e o acusado, sob pena de violação ao princípio da imparcialidade, atributo que é indispensável no sistema acusatório.

Com essa fundamentação, a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais deu provimento ao recurso interposto por um acusado de tráfico de drogas preso com um quilo de maconha. A juíza da 2ª Vara Criminal de Araguari (MG) não homologou o ANPP com a alegação de que apenas na sentença poderia ser verificado se os requisitos legais para o acordo foram preenchidos.

Segundo o desembargador Bruno Terra Dias, relator do recurso, a intenção do legislador ao criar o ANPP foi a de favorecer a atuação extrajudicial do MP nos casos que envolvem matéria criminal.

O objetivo é mitigar o princípio da obrigatoriedade do exercício da ação penal, “evitando a judicialização de procedimentos investigatórios que tenham como objeto a apuração de delitos considerados de menor grau de gravidade”.

Para a defesa do acusado, inexiste previsão legal que condicione a análise dos requisitos objetivos do ANPP ao término da instrução processual penal. Ela argumentou que a decisão da magistrada abre margem ao “ativismo judicial” e interfere na atuação do MP, que, na qualidade de fiscal da lei, detém a prerrogativa de avaliar a conveniência e a oportunidade da oferta de tais acordos.

Tráfico privilegiado

A pena do tráfico de drogas varia de cinco a 15 anos de reclusão. Porém, o parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, que instituiu a figura do chamado tráfico privilegiado, prevê a diminuição da sanção, “desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”. Outra consequência é o afastamento da hediondez do delito.

Já o artigo 28-A do Código de Processo Penal estabelece as condições cumulativas para a propositura do ANPP por parte do MP.

São elas: prática de infração penal com pena mínima inferior a quatro anos; cometimento do crime sem violência ou grave ameaça; confissão formal e circunstanciada do acusado; necessidade e suficiência do acordo para reprovação e prevenção do crime.

Por considerar que o réu preenche os requisitos do tráfico privilegiado e do ANPP, o MP propôs o acordo e o acusado aceitou. Porém, segundo a juíza, na atual fase processual é prematuro admitir que o recorrente faz jus à minorante da Lei de Drogas.

“Eventual desclassificação para o delito de consumo pessoal de drogas ou aplicação do privilégio reflete matéria de mérito, que será apreciada por ocasião da prolação da sentença”, afirmou a magistrada em primeiro grau.

Além de mencionar o não preenchimento do requisito de pena mínima para o ANPP, a juíza considerou o acordo desnecessário e insuficiente para a reprovação do delito tratado nos autos, “dada a sua gravidade que, mesmo sendo privilegiado, não deixa de ser tráfico de drogas, devendo ser avaliada a dimensão social do dano, a relevância social do bem jurídico e ainda a danosidade social do fato”.

Sem previsão legal

No entanto, o relator no TJ-MG ponderou inexistir qualquer previsão legal que condicione o reconhecimento da minorante do tráfico privilegiado ao término da instrução criminal, restringindo a apreciação do ANPP ao momento de prolação da sentença.

Além disso, o desembargador acrescentou que o Supremo Tribunal Federal já admitiu o oferecimento do acordo para essa modalidade mais branda de tráfico.

“Ao restringir a apreciação do acordo à fase final da instrução, ignora-se a função preventiva do ANPP, que pretende abreviar o processo criminal e minimizar o desgaste e os ônus para as partes envolvidas”, concluiu Dias.

Os desembargadores Marco Antônio de Melo e Paula Cunha e Silva seguiram o voto do relator para homologar o acordo, “diante da presença inequívoca da voluntariedade e da legalidade do ajuste”.

Processo 1.0000.24.177153-4/001

Com informações do Conjur

Leia mais

Banco responde por danos ao cliente em contrato digital assinado sem regras da certificadora

Contratos celebrados digitalmente com certificados emitidos por autoridades certificadas vinculadas à ICP-Brasil possuem presunção de integridade e validade jurídica. Contudo, se o Banco não...

Militar deve ser promovido após 29 anos de serviço ao Amazonas; falha é corrigida pela Justiça

O Supremo Tribunal Federal (STF), por decisão do ministro Cristiano Zanin, rejeitou recurso extraordinário interposto pelo Estado do Amazonas contra decisão da Terceira Câmara...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

Ordem para tirar conteúdo da internet pode ter efeitos globais

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, considerou possível atribuir efeitos extraterritoriais à...

Narrativa golpista levou ao 8 de janeiro e atentado a bomba, diz PF

A Polícia Federal (PF) concluiu que a disseminação de narrativas golpistas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro propiciou...

Abin municiou Bolsonaro com dados para produzir desinformação, diz PF

A Polícia Federal (PF) concluiu que o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem foi responsável por...

Golpistas planejavam culpar governo Lula por atos do 8 de janeiro

Materiais encontrados na residência do general da reserva Mário Fernandes indicam que havia um conjunto de estratégias para atrapalhar...