Os crimes de violência doméstica são cometidos na maioria das vezes distante de testemunhas, impondo-se que prevaleça a palavra da vítima, ainda que o fato tenha sido praticado em ambiente privado. No caso concreto, o antigo companheiro da vítima recorreu de condenação pelo crime de ameaça imputado pela ex-mulher. A vítima, em audiência, firmou os fatos criminosos sofridos: “que ele ameaçou de morte, caso ela se relacionasse com alguém e colocasse outro dentro de casa”. Para a Relatora, desembargadora Carla Maria Santos Reis, a produção de outras provas restou prejudicada, tendo a palavra da ofendida, em razão das agressões sofridas dentro do lar, sido dominante para o convencimento judicial, por ser firme e harmônica. Manteve-se a condenação de A. Ferreira.
O caso revelou que a vítima demonstrou em juízo que o acusado a ameaçou, e, em estado exaltado disse que a mataria por eventual relacionamento amoroso que ela pudesse vir a ter. O fato foi praticado na presença de seus filhos, menores de idade, revelando a intenção de causar mal injusto e grave à vítima, firmou o acórdão.
Para o julgado, o crime de ameaça tem natureza formal, não precisando do resultado temor se evidenciar. Não se discute, então, para se concluir pela incidência da ameaça se a vítima ficou ou não com medo. Basta o conhecimento da ameaça pela vítima para que o crime se evidencie.
A tese de que a palavra da vítima deve prevalecer é referendada pelo STJ, que, interpretando a lei federal, tomou decisões no sentido de que a relevância do depoimento da ofendida deve predominar na razão de que esses crimes são praticados na maioria das vezes na clandestinidade. A ausência de testemunhas deve ser suprida, nesta forma, pois caso contrário, haveria dificuldade do crime se materializar por não deixar vestígios.
Processo nº 0600101-11.2021.8.04.7100
Leia o acórdão:
Classe/Assunto: Apelação Criminal / Ameaça Relator(a): Carla Maria Santos dos Reis
Comarca: São Sebastião do Uatuma Órgão julgador: Primeira Câmara Criminal Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DECORRENTE DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. AMEAÇA. INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. PRINCÍPIO DO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELATUM. TESE ÚNICA DE ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS INACOLHIDA. CRIMES PRATICADOS NA CLANDESTINIDADE. ESPECIAL VALORAÇÃO DA PALAVRA DA VÍTIMA. AUTORIA E MATERIALIDADE PRESENTES. REPRIMENDA PENAL. MODELO TRIFÁSICO RESPEITADO SEM TERATOLOGIA, EXCESSOS OU ILEGALIDADES. PENA FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Cuida-se de apelo criminal interposto em face contra sentença de mérito condenatória, com fundamento no artigo 593, inciso I, do Código de Processo Penal, visando absolver o recorrente, por ausência de provas, do tipo penal previsto no artigo 147, do Código Penal. 2. No que concerne a tese de ausência de provas alegadas pela defesa, tem-se que o conjunto probatório angariado aos autos é idôneo, suficiente a sustentar o convencimento do juízo a quo, não havendo que se cogitar a alegada fragilidade probatória ou de atipicidade da conduta. 3. A jurisprudência do Superior de Justiça é firme no sentido de que inexiste qualquer ilegalidade no fato de a acusação referente aos delitos praticados em ambiente doméstico ou familiar estar lastreada no depoimento prestado pela ofendida, já que tais ilícitos geralmente são praticados à clandestinidade, sem a presença de testemunhas, e muitas vezes não deixam rastros materiais, motivo pelo qual a palavra da vítima possui especial relevância. (APn 943/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/04/2022, DJe 12/05/2022). 4. A materialidade e a autoria dos fatos circunstanciados repousam no conteúdo das declarações prestadas pela vítima, formalizadas em ato judicial que, em cotejo com os demais elementos probatórios gerados na instrução criminal, formam um convencimento judicial concretamente motivado a respeito da veracidade dos fatos descritos na inicial acusatória e procedimentalizados sob o regime do contraditório e da ampla defesa. 5. Uma vez condenado, deve o recorrente receber a respectiva sanção penal pelo injusto praticado. A pena é a retribuição imposta pelo Estado em razão da prática de um ilícito penal, consistente na privação de bens jurídicos previamente determinados pelos próprios tipos penais, visando a readaptação do criminoso ao convício social e à prevenção em relação ao cometimento de novos crimes ou contravenções. 6. O Código Penal, em seu artigo 68, adotou o critério trifásico para a fixação da pena, consagrando a teoria adotada por Nelson Hungria. Assim, a pena-base deve ser fixada atendendo aos critérios do artigo 59 do Código Penal (circunstâncias judiciais); na segunda fase, serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes genéricas; já na terceira e derradeira fase, deverão ser analisadas as causas de aumento e de diminuição de pena. 7. A individualização da pena, como atividade discricionária do julgador está sujeita à revisão apenas nas hipóteses de flagrante ilegalidade ou teratologia, quando não observados os parâmetros legais estabelecidos ou o princípio da proporcionalidade. Infere-se do caderno processual que o Juízo singular procedeu a aplicação da pena no mínimo legal, não sendo passível, portanto, de redução. 9. Apelo criminal conhecido e desprovido.