Crianças e adolescentes no Brasil devem ter absoluta prioridade nas ações do poder público, o que inclui os órgãos do Poder Judiciário. O reconhecimento dessa condição e da criança como sujeito de direito está incorporado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei n. 8.069/1990. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), desde a sua criação, orienta a atuação dos tribunais na condução de ações na área da infância e da juventude, tendo os dispositivos do ECA como norteadores dos atos da Justiça.
As resoluções e recomendações editadas pelo CNJ ressaltam a importância da garantia dos direitos fundamentais de todas as crianças, independentemente de classe social, raça, etnia, religião ou gênero. Os textos são elaborados sob a atenção dos componentes do Fórum Nacional da Infância e Juventude (Foninj), criado pelo Conselho, em caráter nacional e permanente, para atuar sobre políticas públicas, no âmbito do Poder Judiciário, de aprimoramento da prestação jurisdicional na área da infância e da juventude.
“Tanto o Foninj quanto o CNJ, como órgão incumbido do controle administrativo do Judiciário, compartilham do compromisso de contribuir com os tribunais para melhorar as políticas judiciárias na área”, afirma o presidente do Fórum e conselheiro do CNJ, Richard Pae Kim.
Sistema socioeducativo e criminal
O artigo 112 do ECA, que prevê a adequação das medidas aplicadas de acordo com a gravidade da infração cometida por adolescentes, foi um dos pilares para a definição dos procedimentos, no Judiciário, de condução da apuração de ato infracional praticado por jovens indígenas e, ainda, do cumprimento de medida socioeducativa, quando for o caso. As diretrizes estão estabelecidas na Resolução CNJ n. 524/2023.
Entre os dispositivos da norma, o artigo 10 reforça que as medidas socioeducativas a serem aplicadas devem considerar os mecanismos de resolução de conflitos próprios da comunidade indígena a que pertença o jovem, mediante consulta a esse grupo. O texto destaca também a importância, ainda maior, de observar a “extrema excepcionalidade da internação provisória em caso de adolescentes indígenas, que deverá ter indícios suficientes de autoria e materialidade, bem como a necessidade imperiosa da medida”.
No campo criminal, o princípio do melhor interesse da criança, consagrado na Constituição Federal e no ECA, também é observado quando a Justiça atua nos casos de mães e gestantes privadas de liberdade. De acordo com a Resolução CNJ n. 252/2018, essas mulheres devem ter permissão para providenciar o bem-estar e segurança de seus filhos antes de ingressarem em estabelecimento penal ou em detenção provisória. Cabe aos Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, dos tribunais estaduais e federais, fazer o monitoramento e a fiscalização do cumprimento da pena, considerando inclusive as possibilidades de eventual indulto.
A norma também estabelece a garantia da convivência, em espaços adequados, das mulheres privadas de liberdade com seus filhos e assegura o período de amamentação exclusiva, no mínimo, nos seis primeiros meses de vida da criança. O ato normativo leva em consideração as alterações no ECA pela Lei n. 13.257/2016, conhecida como Marco Legal da Primeira Infância (MLPI).
Proteção e escuta
O dispositivo do ECA que delega a todos o dever de prevenir a ocorrência de ameaça e violação de direitos de crianças e adolescentes também foi traduzido pelo Conselho em procedimentos para que as Varas de Infância e Juventude garantam a proteção daqueles expostos à grave e iminente ameaça de morte. A Resolução CNJ n. 498/2023 considera os artigos do ECA que tratam do direito da criança e do adolescente de permanecer no seio de sua família, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral, incluindo interações com a comunidade.
O texto trata, especialmente, de como o Judiciário deverá se adequar ao Decreto n. 9.579/2018, que estabelece o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM). A norma também orienta sobre as transferências interestaduais e intermunicipais das crianças nesses casos, com base na Resolução CNJ n. 350/2020, que dispõe sobre a cooperação judiciária nacional. Essas tratativas poderão permitir, por exemplo, que a família nessa situação possa morar em outro estado, para resguardar a vida dessas crianças.
Também com foco na proteção de crianças expostas à violência, em 2019, a Resolução CNJ n. 299 regulamentou o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, consolidando o instrumento do depoimento especial ou escuta protegida. De acordo com o artigo 100 do ECA, as medidas de proteção à criança e ao adolescente devem considerar o princípio da “oitiva obrigatória e participação”, garantindo a eles o direito a serem ouvidos e de participarem nos atos e na definição dessas medidas, sendo sua opinião devidamente considerada pela autoridade judiciária competente.
A resolução também respaldou a criação do protocolo de atendimento e de realização de depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas de violência oriundas de comunidades e povos tradicionais.
Proteção contra o abandono
O Estatuto também prevê, no artigo 13, a obrigatoriedade de encaminhamento à Justiça da Infância e da Juventude, sem constrangimento, das gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção. A Resolução CNJ n. 485/2023 regulamentou, em 17 artigos, o ato conhecido como entrega voluntária, buscando assegurar, no âmbito do Poder Judiciário, a proteção integral da criança nesses casos.
A resolução orienta, entre outros procedimentos, como se dará o atendimento, que resguarde a privacidade da mãe. A autoridade judiciária poderá designar servidor qualificado ou firmar parcerias com entes públicos ou privados para atender os objetivos do ato normativo. Todo o procedimento de entrega voluntária deve tramitar com prioridade e em segredo de Justiça.
Concluído o prazo para arrependimento, também previsto no ECA, uma decisão judicial deverá determinar a inclusão imediata da criança no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), para adoção por pessoas habilitadas. O sistema é gerido pelo CNJ e, entre outros dados, consolida informações sobre as crianças aptas à adoção e os pretendentes habilitados.
O próprio sistema segue as diretrizes legais emanadas do ECA. Exemplo disso é o estímulo às adoções tardias de crianças e adolescentes, por meio da recente inclusão de vídeo curto do próprio candidato à nova família. A novidade foi instituída por meio da Portaria CNJ n. 114/2022 e integra a ferramenta de busca ativa no SNA.
Com a ferramenta, pessoas que se habilitaram junto aos tribunais têm acesso a algumas informações sobre as crianças e os adolescentes aptos à adoção que tiverem esgotadas as possibilidades de buscas nacionais e internacionais compatíveis com seu perfil no SNA. O ato normativo considera o estabelecido no artigo 87 do ECA que trata das campanhas de estímulo ao acolhimento de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar sob forma de guarda.
Combate ao trabalho infantil
A Recomendação CNJ n. 139/2022 disciplinou o artigo 149 do ECA, que trata da participação de crianças e adolescentes em ensaios, espetáculos públicos, certames e outras atividades semelhantes. Os magistrados e magistradas foram alertados para observarem as práticas no combate ao trabalho infantil no momento de concederam alvarás com o envolvimento dos menores nos eventos previsto no ECA.
A recomendação esclarece ao intermediário da decisão a necessidade de obter a concordância da criança ou do adolescente e autorizar a participação apenas com acompanhamento permanente dos pais e/ou responsáveis. No caso de o juiz ou a juíza averiguar violação a direitos de crianças e adolescentes, deve comunicar o ocorrido aos órgãos de fiscalização, como Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Estadual, Conselho Tutelar, Secretaria de Educação ou assistência social, entre outros.
Reconhecimento
Para valorizar a implementação dos direitos infantojuvenis, o CNJ instituiu o Prêmio Prioridade Absoluta. O reconhecimento destaca boas práticas de tribunais, magistrados e magistradas, bem como servidores do Judiciário, demais atores do Sistema de Justiça, Poder Executivo e Legislativo, sociedade civil, empresas e universidades, quanto à aplicação de medidas protetivas e socioeducativas estipuladas no ECA.
Com informações do CNJ