“Não fosse uma pessoa pobre, não veríamos esse tipo de situação” diz STJ sobre prisão em Manaus

“Não fosse uma pessoa pobre, não veríamos esse tipo de situação” diz STJ sobre prisão em Manaus

O Ministro Rogério Schietti Cruz do Superior Tribunal de Justiça ao examinar Ação de Habeas Corpus cujo Impetrante foi a Defensoria Pública do Estado do Amazonas em favor de Dayane Klissia Moraes dos Santos concedeu, liminarmente, ordem de soltura à Paciente, momento em que, na decisão, reafirmou “o imprescindível trabalho da Defensoria Pública do Estado do Amazonas em defesa dos direitos de cidadão que vêem na instituição a única oportunidade de acesso à Justiça para resgate de direitos”, referindo-se à restituição de liberdade, por meio do órgão defensor,  face a ilegalidade do  ato apontado como coator ser de tamanha evidência  em detrimento de  fundamental direito de liberdade que se manteve sob coação ilegal até à comunicação imediata da determinação de soltura. 

Segundo o conteúdo do decisum, o Juízo de Direito Plantonista Criminal e Custódia de Manaus decretou a prisão preventiva da ré  por suposta prática de furto simples, ao fundamento de reiteração, porque teria sido presa por outras duas vezes por ações penais por crimes dolosos. Mas, a prisão, na espécie, decorreu da prática de furto simples, cuja pena não ultrapassa, em abstrato, o período de 04 anos de reclusão. Um dos requisitos da preventiva é que a pena máxima seja superior a 04 anos, além de que a decisão não aludiu ao fato de que a Paciente fosse reincidente. 

O Ministro questionou, em sua decisão monocrática a decisão judicial em primeiro grau do Amazonas, porque o Magistrado apenas se referiu a ações penais em curso, sem destacar nenhuma condenação definitiva por outro crime doloso. Assim “era incabível a prisão preventiva da suspeita. A constrição de sua liberdade revela-se ainda mais incoerente quando constatado que ela é mãe de cinco crianças menores de 12 anos”, firmou a decisão.

Derradeiramente, a decisão abordou que o Magistrado de custódia ignorou determinativos processuais penais que, no caso, trazem óbices ao decreto de prisão preventiva, como a existência de substituição da preventiva por medidas cautelares diversas da prisão, e arrematou: “Lamentavelmente, o óbvio precisa ser dito: não fosse uma pessoa pobre, não veríamos esse tipo de situação”.

A hipótese foi considerada tão aviltante pelo Ministro que, de plano, afastou a Súmula 691 do STF, também utilizada no STJ: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”. No caso, afastada a Súmula, restou conhecido o HC contra decisão que indeferiu liminar na Corte de Justiça do Amazonas.

Leia a decisão:

HABEAS CORPUS Nº 723225 – AM (2022/0039607-1) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ. IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO AMAZONAS
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO AMAZONAS. IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAZONAS. PACIENTE : DAYANE KLISSIA MORAES DOS SANTOS (PRESO) INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS. DECISÃO
DAYANE KLISSIA MORAES DOS SANTOS alega sofrer coação ilegal em face de decisão liminar proferida por Desembargador do Tribunal a quo. Presa preventivamente desde 3/12/2021, pela suposta prática de furto simples, busca, em liminar e no mérito, a concessão de alvará de soltura. Decido. Verifica-se situação suficiente a ensejar a superação da Súmula n. 691 do STF e a concessão da ordem, in limine, pois a ilegalidade do apontado como coator é tão evidente que demanda a pronta intervenção desta Corte, para fazer cessar imediatamente o constrangimento ilegal imposto à paciente.
O Juízo de Direito Plantonista Criminal e Custódia da Comarca de Manaus decretou a prisão preventiva da ré em situação de suposta prática de furto simples, em face da “reiteração […], conforme antecedentes criminais à fl. 37, onde se verifica que foi presa outras duas vezes(processo n.º 0732787-21.2021.8.04.0001 – 2.ª Vara Criminal e processo n.º 0648127-94.2021.8.04.0001 – 4.ª Vara Criminal), os quais correspondem a outras ações penais por crimes dolosos” (fl. 70). A decisão viola o art. 313 do CPP, in verbis: Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; § 1º Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. Deveras, somente “é possível a prisão preventiva nos crimes que tenham pena máxima inferior a 4 anos, na hipótese de reincidência em crime doloso ou
para garantir a execução de medidas protetivas de urgência nos casos de violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente, enfermo ou pessoa com deficiência (art. 313, III, do CPP)” (AgRg no HC 656.264/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/06/2021, DJe 23/06/2021). Esta Corte reconhece a ilegalidade da segregação provisória quando “o suposto delito não envolveu violência doméstica e familiar (ex vi do art. 313, III,do CPP), além de não ter sido apontado nenhum registro de condenação definitiva anterior por crime doloso (art. 313, II, do mesmo diploma legal). Outrossim não houve referência de que tenha ocorrido dúvida sobre a identidade do ora agravado (art. 313, parágrafo único, do CPP)” (AgRg no HC 674.575/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado
em 28/09/2021, DJe 07/10/2021). In casu, o Magistrado apenas se referiu a ações penais em curso, sem destacar nenhuma condenação definitiva por outro crime doloso. Assim, erincabível a prisão preventiva da suspeita. A constrição de sua liberdade revela-se ainda mais incoerente quando constatado que ela é mãe de cinco crianças menores de 12 anos e está segregada desde 3/12/2021. Além do art. 313 do CPP, foram ignorados pelo Magistrado os arts. 318-A e 318-B, ambos do CPP e o HC coletivo n. 143.641/SP. o óbvio precisa ser dito: não fosse uma pessoa pobre, não veríamos esse tipo de situação. Deve-se reafirmar, nesse contexto, o importante e imprescindível trabalho da Defensoria Pública do Estado do Amazonas em defesa dos direitos de cidadão que vêem na instituição a única oportunidade de acesso à Justiça para resgate de seus direitos. Como o ato apontado como coator mencionou a necessidade de acautelar a ordem pública e demonstrou o risco de reiteração delitiva, em face de outras duas prisões recentes da paciente, “processo n.º 0732787-21.2021.8.04.0001 – 2.ª Vara Criminal e processo n.º 0648127-94.2021.8.04.0001 – 4.ª Vara Criminal, os quais correspondem a outras ações penais por crimes dolosos” (fl. 70), a situação demanda a aplicação de medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP. As cautelares devem obedecer ao requisito da adequação à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do réu. Observados tais parâmetros, é pertinente a escolha da providência do art. 319, III, do CPP.
À vista do exposto, supero a Súmula n. 691 do STF e concedo o habeas corpus, in limine, para substituir a prisão preventiva da paciente pela proibição de acessar a loja Calcenter – Calçados Centro-Oeste Ltda., vítima do suposto furto. Não há prejuízo da imposição de outras cautelas que o Magistrado considerar suficientes e adequadas ao caso, desde que em decisão motivada. Comunique-se com urgência. Publique-se e intimem-se. Brasília (DF), 18 de fevereiro de 2022. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ Relator

 

 


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