Em decorrência do princípio da soberania dos veredictos, a anulação de um julgamento do Conselho de Sentença, alegando manifesta contrariedade à prova presente nos autos, só pode ocorrer quando a decisão estiver em total desacordo com as evidências contidas no processo, ou seja, quando for feita em oposição a tudo o que está registrado nos documentos do caso.
Nesse entendimento, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) negou recurso apresentado pelo Ministério Público e manteve decisão do Tribunal do Júri que absolveu um réu por homicídio. Na apelação, o órgão ministerial queria a nulidade do julgamento argumentando que a decisão foi manifestamente contrária às provas.
O caso aconteceu em 2014. Na ocasião, um homem foi morto a tiros em uma cidade do interior cearense. De acordo com o MP, o réu teria cometido o crime por motivo fútil. O homem e a vítima teriam se encontrado em uma festa com outros amigos. Na hora de pagar a conta, eles teriam se desentendido. Segundo o réu, ao ir embora, a vítima teria lhe ameaçado. O crime teria ocorrido cerca de duas horas depois, em outro local. Em juízo, o acusado disse que soube da morte apenas no dia seguinte.
Ocorre que nenhuma das testemunhas ouvidas em juízo disse ter presenciado o momento do homicídio. Os depoimentos só indicaram que realmente o réu e a vítima tiveram um desentendimento na mesma noite do caso.
“Assim, verifica-se que o acusado negou a autoria do delito e os testemunhos colhidos em plenário não foram suficientes para formar o convencimento do Júri de que o acusado foi o autor dos disparos que levara, a vítima ao óbito. Destaque-se que nenhuma das testemunhas foi capaz de indicar, com certo grau de certeza, ter o acusado cometido o delito. Ao contrário, a única testemunha que indicou o acusado como sendo o autor dos disparos, não confirmou a versão apresentada em sede inquisitorial, sendo relatado, inclusive, pelo pai do depoente que este possui deficiência mental e costuma inventar histórias”, destacou o relator do caso, desembargador Sérgio Luiz Arruda Parente.
Pela análise do conjunto de elementos, o magistrado destacou que não há provas inequívocas das versões acusatória ou defensiva, o que permite que os jurados, em sua íntima convicção, decidam livremente em favor de quaisquer das teses levantadas. “Deste modo, entendo que não há decisão manifestamente contrária à prova dos autos, mas apenas acolhimento, por parte dos jurados, de uma das teses possíveis.”
O relator lembrou entendimentos firmados pelo Superior Tribunal de Justiça de que, quando há elementos de prova que permitam aos jurados a adoção de qualquer das teses sustentadas pelas partes, não cabe a anulação do julgado por decisão manifestamente contrária à prova dos autos.
Arruda Parente ressaltou que, que a Lei 11.689/2008 pretendeu simplificar o procedimento do Júri com o quesito genérico “o jurado absolve o acusado?”, permitindo a desvinculação da resposta às teses da defesa, possibilitando a absolvição do réu com base em suas íntimas convicções.
“Tal é a abrangência desse quesito que, mesmo que os jurados respondam positivamente quanto à autoria/participação e a negativa de autoria seja a única tese alegada pela defesa, ainda assim não se mostra contraditório responderem positivamente quanto ao quesito da absolvição. Os jurados sempre podem absolver por clemência aquele que consideraram com participação no fato. A clemência compõe juízo possível dentro da soberania do Júri, ainda que dissociada das teses principais da defesa.”
O relator concluiu que não poderia questionar as razões pelas quais o júri escolheu absolver o réu. Isso se deve ao fato de que as evidências permitem diferentes interpretações, e criticar a decisão iria contra a ideia de que o júri é soberano em suas escolhas e tem o direito de tomar suas próprias decisões com base em sua convicção pessoal.
“Desta feita, pelo conjunto da instrução probatória e pela forma como ocorreram os fatos, não há que se reputar manifestamente contrária à prova dos autos a decisão do tribunal do júri que absolveu o acusado do crime de homicídio.”
Fonte Conjur