Sob o fundamento de que a pandemia da COVID-19 afetou não somente uma, mas inúmeras pessoas que vivenciaram sofrimentos pelas perdas de seus entes queridos, ante o que se denominou de inevitável superlotação nos leitos de hospitais e a falta de um tratamento adequado, à época da crise, o Desembargador Flávio Humberto Pascarelli Lopes, do TJAM, negou recurso pela reforma de uma sentença que entendeu não haver sido provado que os autores perderam o pai, vítima de Covid, por falta de cilindro de oxigênio no Hospital Delphina Aziz, em Manaus. A simples referência à omissão do Estado não atrai a responsabilidade indenizatória, dispôs-se, pois, para tal fim, importa ser demonstrado o nexo causal.
Firmou-se o entendimento de que durante a pandemia da Covid 19 os acontecimentos ficaram acobertados por um caráter fortuito e de força maior, o que também autoriza a interpretação jurídica de que aos casos possa ser emprestado o entendimento de que tenham se configurado por causas excludentes de responsabilidade, o que impede o reconhecimento do dever indenizatório pretendido pelos parentes dos falecidos.
No juízo de primeiro grau, a sentença recorrida fez o registro de que “não há como imputar ato ilícito ao ente estatal enquanto o mesmo adotou os procedimentos que eram possíveis em meio ao caos que se estabeleceu. E de fato, por mais que tenha empregado esforços para atender à população, afigurava-se uma tarefa impossível que todos fossem atendidos”. A sentença foi mantida e o autor condenado as custas do processo, que findaram suspensos ante a concessão da justiça gratuita.
No exame do recurso, o relator ponderou que “observo que os argumentos de fato articulados traduzem clara hipótese de inovação recursal, a qual, todavia, não é admitida, pois enquanto a causa de pedir deduzida na inicial se prende à “negligência estatal na obtenção de oxigênio”, no recurso, a questão é apresentada como resultado da “corrupção que ocorreu no período pandêmico”. Ou seja, a questão relacionada à (in)correta aplicação dos recursos públicos durante o período da pandemia da Covid 19, além de inteiramente impertinente para o desfecho da causa, pois a questão sequer foi submetida aocrivo do juízo de primeiro grau”.
Além de que a supressão de instância impeça a reanálise de fatos não levantados no primeiro grau, o julgado também ponderou que o recorrentes não demonstraram qualquer falha na prestação do serviço público de saúde do Estado, “limitando-se a dizer que o seu pai faleceu no Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz e que o réu deixou esgotar os estoques de oxigênio das unidades de saúde”. Por falta de comprovação da relação entre a morte e a falta de oxigênio, a ação foi julgada improcedente. Cabe recurso.
Processo: 0684179-89.2021.8.04.0001
Leia a ementa:
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL Relator(a): Flávio Humberto Pascarelli Lopes Comarca: Manaus Órgão julgador: Primeira Câmara Cível Data do julgamento: 11/12/2023Data de publicação: 11/12/2023Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NÃO CONFIGURADA. MORTE DE PACIENTE DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19. NEGLIGÊNCIA ESTATAL NÃO DEMONSTRADA. FORÇA MAIOR/FORTUITO RECONHECIDOS. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.