A jurisprudência admite a possibilidade de propositura de ação por ato de improbidade administrativa e de celebração de acordo de não persecução cível (ANPC) pelo ente público interessado, com base em sua legitimidade disjuntiva e concorrente com a do Ministério Público.
Seguindo esse entendimento, o juízo da 1ª Vara de Jacupiranga (SP) homologou ANPC negociado diretamente entre o espólio de um dos réus e a prefeitura do município, na fase de cumprimento de uma condenação proferida em ação civil pública de improbidade.
Nos autos do processo, o Ministério Público de São Paulo inicialmente se posicionou de forma contrária à negociação com o executado, cujos atos de improbidade foram praticados entre 1997 e 2004. Para o órgão, o valor estabelecido na sentença condenatória deveria ser pago de forma integral — isto é, sem redução nos juros moratórios de 1% ao mês, o que fez o débito saltar de R$ 6.909.279,96 para R$ 64.794.142,06.
Porém, como estavam dispostos a negociar, executado e município costuraram durante meses um ANPC na via extrajudicial, amparados pela Lei 14.230. Sancionada em 2021, a norma incluiu na Lei 8.429/1992 o artigo 17-B, que prevê a possibilidade do ANPC no momento da execução da sentença.
Na negociação, as partes também consideraram que o Supremo Tribunal Federal restabeleceu, nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 7.042 e 7.043, a existência de legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas na propositura da ação por ato de improbidade e para a celebração de ANPCs.
As tratativas resultaram em uma minuta, que foi juntada aos autos do cumprimento de sentença. Em seguida, as partes mostraram os termos do documento e a necessidade de concretização do acordo ao Ministério Público, que opinou favoravelmente pela homologação.
Responsável por analisar o pedido de validação do acordo, o juiz Diego Mathias Marcussi discorreu inicialmente sobre a alegada legitimidade concorrente do município para celebração do ANPC.
Segundo ele, o texto legal é expresso ao mencionar que cabe ao Ministério Público a celebração do acordo de não persecução cível. Em seguida, ele observou que o MP-SP não só opinou pela homologação como participou da negociação, “impondo cláusulas que foram, de pronto, adotadas”.
Marcussi observou ainda que é entendimento pacífico na jurisprudência que o ente público interessado também possui legitimidade para a celebrar o ANPC, “tratando-se de uma legitimidade disjuntiva e concorrente”.
“Nesse sentido, inclusive, houve a declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto, em agosto de 2022, para o fim de reconhecer a legitimidade discutida nos presentes autos”, anotou o juiz, fazendo referência às decisões do Supremo.
Por fim, o julgador entendeu que o acordo preencheu outros requisitos estabelecidos pela lei, como o integral ressarcimento do dano e a concordância do ente federativo lesado.
“Ante o exposto, e por estarem preenchidos os requisitos do artigo 17-B da Lei 8.429/1992, homologo o acordo celebrado entre o município, o espólio e outros e referendado pelo Ministério Público”, concluiu Marcussi, determinando também a suspensão da execução e dos incidentes de desconsideração da personalidade jurídica.
Os escritórios Calixto, Redis e Zanon Advogados e Rosner e Fadul Sociedade de Advogados representaram o espólio. “O acordo permitiu a recuperação de mais de R$ 38 milhões para o município, o que é muito mais eficiente para a satisfação do interesse público do que o cumprimento de sentença que visava ao recebimento integral de uma condenação impossível de ser cumprida”, disseram as bancas.
Com informações do Conjur