Cinco anos após o início das investigações, a Operação Descarte gerou mais uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra envolvidos em um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro. Desta vez, 11 pessoas deverão responder por crimes que beneficiaram uma grande operadora de viagens. Dois ex-membros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), vinculado ao Ministério da Fazenda, são alvos dos pedidos de condenação por terem recebido propinas e cancelado dívidas fiscais da empresa avaliadas em R$ 161 milhões. A denúncia é resultado da terceira fase da Descarte, denominada Checkout.
O esquema era conduzido por dois empresários e um advogado que receberam mais de R$ 37 milhões da operadora de turismo para influenciar decisões que seriam tomadas por servidores públicos na Receita Federal e no Carf. Para ocultar a origem criminosa dos valores, o grupo utilizava um escritório de advocacia para simular contratos de prestação de serviços. As propinas também foram pagas por meio de transferências eletrônicas para empresas de fachada controladas pelos empresários e por doleiros.
Entre os denunciados também está o auditor da Receita Federal que revelou a integrantes do esquema a existência do procedimento fiscal contra a operadora de viagens. As informações sigilosas traziam detalhes sobre o vultoso auto de infração de R$ 161 milhões lavrado em desfavor da empresa e foram utilizadas para negociar com seu proprietário os primeiros repasses de suborno. Na ocasião, foram pagos mais de R$ 6 milhões depois que um julgamento da Delegacia da Receita Federal reduziu a autuação em 32% do valor original. O auditor-fiscal foi denunciado por violação de sigilo funcional e associação criminosa.
O processo referente à dívida fiscal foi então levado ao Carf, órgão com atribuição de julgar em segunda instância administrativa os casos tributários. Nesta etapa, o esquema criminoso contou com a participação de dois conselheiros para proteger os interesses da operadora de turismo. Os agentes públicos receberam R$ 5 milhões em dinheiro vivo para votar a favor das teses defendidas pela empresa e reconhecer a tempestividade de um recurso fora do prazo. Como resultado, o julgamento não só cancelou a dívida milionária, como extinguiu a possibilidade de recurso por parte da Receita Federal.
Os ex-conselheiros do Carf foram denunciados por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Já o dono da operadora de viagens e o contador da empresa que viabilizou os pagamentos de propina devem responder por corrupção ativa, além da lavagem. Os empresários que articularam o esquema são acusados ainda de tráfico de influência e associação criminosa. Completam a lista de denunciados outros três advogados que também ofereceram vantagens indevidas a um dos conselheiros do Carf.
Os crimes ocorreram entre 2012 e 2015 e resultaram em prejuízos milionários aos cofres públicos. O MPF requer que os acusados sejam condenados a reparar os danos materiais e morais sofridos pela União em razão da prática dos delitos, pagando, no mínimo, o montante discutido no julgamento que cancelou a dívida fiscal ilicitamente.
Cinco anos – O MPF já ofereceu 21 denúncias contra investigados na Operação Descarte e seus desdobramentos. Ao longo de cinco anos, 90 pessoas foram alvos dos pedidos de condenação por delitos como lavagem de dinheiro, sonegação de tributos e corrupção ativa e passiva. Vinte acordos de colaboração premiada, um de não persecução penal e quatro de leniência firmados com investigados/denunciados já permitiram a recuperação de mais de R$ 320 milhões. O avanço das apurações levou à deflagração de 15 fases até agora.
O escritório de advocacia que prestou os serviços ilícitos à operadora de turismo foi o epicentro de diversos esquemas, comandando uma série de firmas de fachada voltadas à emissão de notas fiscais frias. As empresas favorecidas realizavam compras simuladas ou contratavam serviços fictícios dessas pessoas jurídicas para viabilizar a lavagem de ativos, entre outros crimes. A partir do pagamento das notas falsas, as quantias circulavam por contas de terceiros até retornar, em espécie, aos beneficiários, mediante taxas e comissões. Doleiros também atuavam para possibilitar a ocultação da origem ilícita dos recursos e disponibilizar as cifras em dinheiro vivo.
A Operação Descarte teve origem na investigação de um conluio entre prefeituras e empresas de limpeza urbana que utilizavam os serviços do esquema. A primeira fase foi deflagrada em março de 2018. A partir da etapa seguinte, denominada Chiaroscuro, as autoridades puderam ampliar o alcance das apurações, com a descoberta do escritório de advocacia e a assinatura de acordos de colaboração premiada com seus proprietários.
As outras 13 fases já desencadeadas fundamentam-se nos desdobramentos desses primeiros estágios, desvendando mais empresas que também se beneficiaram dos crimes, a exemplo da operadora de viagens citada na nova denúncia do MPF. Os inquéritos abrangem a participação de companhias de diversos outros setores, como saúde, energia, tecnologia e o mercado financeiro. Os delitos envolveram ainda o pagamento de propinas a auditores fiscais e a fraude de contratos e licitações relacionados a órgãos e empresas públicas.
Além da Descarte, da Chiaroscuro e da Checkout, a operação compreende as etapas denominadas E o Vento Levou (I, II e III), Chorume, Triuno (que condensa três fases), Silício, Macchiato, Canal Seguro, Acurácia e Peita. As investigações continuam em curso e podem gerar novas denúncias do MPF contra os envolvidos.
Com informações do MPF