Por fazer comentários depreciativos em relação ao presidente Lula em cartas enviadas ao jornal O Estado de S. Paulo, o juiz Haroldo Nader, da 6ª Vara Federal de Campinas (SP), comprometeu sua imparcialidade judicial e não está mais apto da julgar causa envolvendo o petista.
Com esse entendimento, o ministro Herman Benjamin determinou o afastamento do magistrado da condução de uma ação popular que tem como objetivo retirar de Lula as benesses a que teria direito na condição de ex-presidente da República.
Por ter presidido o país entre 2003 e 2010, Lula passou a ter direito a seguranças individuais, veículos com motorista e assessores. A benesse conferida a ex-presidentes está prevista no Decreto 6.381/2008, que regulamentou a Lei 7.474/1986.
A ação pediu a suspensão desses benefícios porque Lula, à época, cumpria pena pelas condenações produzidas pela “lava jato”, que seriam posteriormente anuladas pelo Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a incompetência da Justiça Federal do Paraná para julgar os casos e a suspeição do então juiz Sérgio Moro.
Na 6ª Vara de Campinas, Haroldo Nader concedeu a liminar em maio de 2018 e suspendeu os direitos de contar com segurança e assessoria. Essa decisão foi, posteriormente, cassada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
A suspeição do magistrado foi suscitada pela defesa de Lula, feita pelo advogado Cristiano Zanin, graças a declarações depreciativas feitas em comentários enviados pelo magistrado e publicados pelo jornal O Estado de S. Paulo, como resposta a reportagens envolvendo o petista.
O TRF-3 concluiu que não se extraem elementos que atestem, de forma categórica, a parcialidade do magistrado. Relator no STJ, o ministro Herman Benjamin analisou o conteúdo e, em decisão monocrática, decidiu afastar o magistrado do caso pelo comprometimento da imparcialidade judicial.
“Há risco concreto (não hipotético) de que, permanecendo o excepto na condução da ação popular, pode ser violada a garantia do excipiente a julgamento por um juiz imparcial (imparcialidade subjetiva), violando-se, ainda, a percepção pública a respeito do adequado funcionamento da Justiça em si (imparcialidade objetiva)”, disse.
A causa terá um novo magistrado, que poderá ratificar ou não os atos processuais até então praticados no feito. Lula, enquanto isso, voltará a ter as mesmas benesses, já que foi eleito para um terceiro mandato como presidente da República.
Haroldo Nader fez três declarações que constituem, com segurança, sua suspeição para atuar em causas envolvendo o petista. Na primeira delas, disse que “Lula não aguenta mais falar do sítio e do tríplex. E nós não aguentamos mais esperar que ele fale”.
A fala foi dada no contexto da prisão do ex-presidente e, segundo o ministro Herman Benjamin, indica predisposição do magistrado em desprezar o princípio da presunção de inocência, além de mostrar juízo negativo de valor sobre as explicações dadas pela defesa nos processos em que houve a condenação.
Na segunda afirmação, o magistrado ironizou: “Não sabia que Lula era bancário.” A fala fez referência a reportagem que indicou o envolvimento de uma antiga cooperativa de bancários, a Bancoop, no caso do tríplex.
Nader deu a entender que, se o imóvel foi adquirido por uma cooperativa de bancários, então Lula a integraria, já que o tríplex seria efetivamente de sua propriedade. Mais uma vez, mostrou juízo de desvalor sobre a versão da defesa petista naquela ação.
O terceiro comentário partiu de reportagem sobre manifestações de rua feitas pelo PT. “É óbvio que a manifestação desta quinta-feira tenha ocorrido em dia útil, com vale-transporte e alimentação. Seus manifestantes estão lá a serviço”, disse.
A sugestão do magistrado foi de que os apoiadores do PT não teriam participado da manifestação por vontade própria, mas sim porque pagos para isso. “Embora o comentário diga respeito ao partido, é evidente que a mensagem alcança seus membros, inclusive o ex-presidente”, afirmou o ministro Herman Benjamin.
Nader ainda fez um elogio à “coragem, a astúcia e a dignidade” de Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da Petrobras e delator Nestor Cerveró, responsável pelas gravações que resultaram na prisão do ex-líder do governo Dilma no Senado, Delcídio do Amaral. O assunto nada tinha a ver com Lula, mas o magistrado usou-o mesmo assim para criticar o petista no comentário.
Liberdade de expressão
O voto do ministro Herman Benjamin ainda traçou o padrão a ser considerado para aferir a imparcialidade de um magistrado: deve levar em conta não apenas o modo como o juiz enxerga a si mesmo, mas também como é visto aos olhos e impressões da coletividade dos jurisdicionados.
Ele afirma que não se pode, a pretexto de defender a liberdade de expressão dos juízes, manter à frente de um processo um magistrado que, publicamente, manifestou juízo depreciativo contra uma das partes da ação.
“Isso prejudica o direito da parte a ter o processo conduzido por um juiz indene de qualquer pecha de parcialidade. E abala, também, a própria imagem que a coletividade deve ter da imparcialidade judicial, percepção coletiva essa que significa fonte maior da legitimidade dos juízes individualmente e do Judiciário como instituição”, apontou.
Para o ministro Herman Benjamin, a liberdade de expressão do juiz sofre restrições ínsitas à natureza do cargo. Ele não se submete à mordaça, mas sempre atua nos limites estritos de suas obrigações e do bom senso, que regem a carreira.
“Quem quiser fazer ou dizer mais do que tais normas permitem, não pode, no geral, ser juiz e, absolutamente nunca, ser juiz do caso concreto em que tal envolvimento político, de companheirismo ou emocional se manifestem”, apontou.
Destacou ainda que nada impede o magistrado de usar de veículos de comunicação ou das mídias sociais para se defender ou para o exercício da crítica. “Nada disso, todavia, libera o juiz para censurar no ambiente público e, ao mesmo tempo ou logo em seguida, julgar no ambiente reservado dos autos.” Com informações do Conjur
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AREsp 2.069.194