Manifestação do ministro Celso de Mello sobre investigação no STF de golpe de Estado

Manifestação do ministro Celso de Mello sobre investigação no STF de golpe de Estado

A notícia sobre a prisão de oficiais do Exército, inclusive a de um general reformado, supostamente envolvidos em gravíssimo e sórdido plano sedicioso (e criminoso) que objetivava, no contexto de um pretendido golpe de Estado, assassinar o presidente Lula, o vice-presidente Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, permite afirmar, quanto a tal evento, que é a História repetindo-se como “farsa”, para relembrar a frase de Karl Marx, logo no primeiro parágrafo de seu conhecido trabalho “O 18 Brumário de Luís Bonaparte” (1852)!

Marx, em seu “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, inicia a sua obra proferindo, logo no primeiro parágrafo, a sua célebre frase:

“Hegel observa (…) que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa (…)”!

Cabe rememorar, bem por isso, neste ponto, evento ocorrido em Brasília, em 12 de setembro de 1963, uma quinta-feira.

Refiro-me ao episódio que ficou conhecido como “A Revolta dos Sargentos” e em cujo contexto sobrevieram a detenção e o sequestro de um ministro do Supremo Tribunal Federal por militares da FAB e da Marinha (sargentos e cabos amotinados), que o conduziram até a Base Aérea de Brasília (o sequestro ocorreu no “Trevo da Sarah” ou em suas proximidades).

O magistrado arbitrariamente detido e criminosamente sequestrado foi o ministro Victor Nunes Leal, que se dirigia ao Supremo Tribunal Federal para um encontro com o seu então presidente, o ministro Lafayette de Andrada!

O ministro Victor Nunes Leal ficou detido na Base Aérea de Brasília durante uma hora e meia (das 10h às 11h30) .

Assim que libertado, retornou à sua residência, para, em seguida, dirigir-se ao STF, onde, em sessão especialmente convocada pelo ministro Lafayette de Andrada, relatou os fatos que culminaram com sua detenção e sequestro (v. DJU, ed. de 13/9/1963, pgs. 3009/3010).

Pronunciaram-se, em referida sessão plenária, além do seu presidente, também o ministro Ribeiro da Costa, o dr. Cândido de Oliveira Neto, procurador-geral da República , e o dr. Esdras Gueiros, presidente do Conselho Seccional da OAB/DF, que censuraram duramente o comportamento criminoso de referidos militares.

O registro dessa sessão plenária do Supremo Tribunal Federal, realizada no próprio dia do sequestro do ministro Victor Nunes Leal (12/9/1963), consta de publicação oficial feita no Diário da Justiça da União, de 13 de setembro de 1963, que contém o relato do Ministro Victor Nunes Leal, seguido dos pronunciamentos do PGR e do Conselho Seccional da OAB/DF.

É importante destacar que o ministro Ribeiro da Costa, em mencionada sessão plenária do STF (12/9/1963), pronunciou discurso que, meses depois, quando houve o ominoso golpe de Estado de 1964, instaurador da ditadura militar que se abateu sobre nosso país e que destruiu a ordem democrática até então vigente, mostrou-se profético, pois, ao defender a decisão da Suprema Corte proferida contra os militares que queriam exercer cargos políticos, afirmou, com inteira razão, que a função institucional das Forças Armadas é outra, e que incentivar (e permitir) o envolvimento de militares com a atividade política poderia fazer com que as Forças Armadas absurdamente culminassem por se sobrepor às leis e à Constituição da República!

Disse, então, o ministro Ribeiro da Costa :

“Nessas condições, ao invés de contar o país com Forças Armadas unidas, aptas a agir com a presteza e a energia necessárias em dados momentos, quando a ordem nacional estiver em perigo ou sob ameaça, o que acontecerá, então, é que esses elementos, que são numerosíssimos, e indispensáveis, trarão para o seio das Forças Armadas a cizânia, a divisão, a incompreensão, a indisciplina, pretendendo sobrepor-se, como agora o fizeram, não só às leis e à Constituição, mas aos seus superiores hierárquicos”!

Cabe sempre advertir que o poder militar está sujeito, historicamente, nas democracias constitucionais, ao poder civil , cabendo-lhe, unicamente, as estritas funções institucionais que lhe foram atribuídas pela Constituição!!!

O poder castrense, que NÃO dispõe de atribuição moderadora NEM de função arbitral que lhe permita resolver – como se fosse uma anômala (e estranha) instância de superposição – eventuais conflitos entre as instituições civis do Estado, há de submeter-se, por inteiro e incondicionalmente, à autoridade suprema da Constituição, sob pena de a República democrática – sob cuja égide vivemos – dissolver-se, esmagada pelo peso e deslegitimada pelo estigma de uma estratocracia desestabilizadora da ordem democrática e opressora das liberdades e franquias individuais!!!

A necessidade do controle civil sobre as Forças Armadas – advertem os estudiosos da matéria (como Eliézer Rizzo de Oliveira, “Democracia e Defesa Nacional: A criação do Ministério de Defesa na Presidência de FHC”, São Paulo, 2005, pág. 84) – busca definir parâmetros e implementar os seguintes objetivos:

“a) O comando inquestionável das Forças Armadas pelo chefe do Poder Executivo;

b) Garantir a imparcialidade política das Forças Armadas;

c) Estabelecer uma estrutura de ordenamento legal das Forças Armadas que as submeta [aos princípios essenciais do] Estado democrático;

d) Qualquer decisão quanto ao emprego do poder militar deve ter origem exclusiva nas decisões políticas [das autoridades civis]; e

e) Reafirmar o caráter nacional das Forças Armadas.”

Os fatos hoje noticiados referentes ao alegado envolvimento de altas patentes militares revelam um quadro deplorável de periclitação da ordem democrática e de perversão da ética do poder e do direito!

Em situações tão graves assim, ressurge fundado temor de que se desenhem na intimidade do aparelho castrense movimentos que parecem prenunciar a retomada, de todo inadmissível, de práticas estranhas (e lesivas) à ortodoxia constitucional, típicas de um pretorianismo que cumpre repelir, qualquer que seja a modalidade que assuma: pretorianismo oligárquico, pretorianismo radical ou pretorianismo de massa (Samuel P. Huntington, “Pretorianismo e Decadência Política”, 1969, Yale University Press).

A nossa própria experiência histórica revela-nos – e também nos adverte – que insurgências de natureza pretoriana, à semelhança da ideia metafórica do ovo da serpente (República de Weimar), descaracterizam a legitimidade do poder civil e fragilizam as instituições democráticas !

Impõe-se repelir, por isso mesmo, qualquer manifestação de um pretorianismo oligárquico que pretenda sufocar e dominar, com grave lesão à ordem democrática, as instituiçōes da República !

Já se distanciam no tempo histórico os dias sombrios que recaíram sobre o processo democrático em nosso país, em momento declinante das liberdades fundamentais, quando a vontade hegemônica dos curadores militares do regime político então instaurado sufocou, de modo irresistível e ditatorial, o exercício do poder civil.

É preciso ressaltar que a experiência concreta a que se submeteu o Brasil no período de vigência do regime de exceção (1964/1985) constitui, para esta e para as próximas gerações, marcante advertência que não pode ser ignorada: as intervenções pretorianas no domínio político-institucional têm representado momentos de grave inflexão no processo de desenvolvimento e de consolidação das liberdades fundamentais.

Intervenções castrenses, quando efetivadas e tornadas vitoriosas, tendem, na lógica do regime supressor das liberdades que se lhes segue, a diminuir (quando não a eliminar) o espaço institucional reservado ao dissenso, limitando, desse modo, com danos irreversíveis ao sistema democrático, a possibilidade de livre expansão da atividade política e do exercício pleno da cidadania.

Tudo isso é inaceitável porque o respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa, no regime democrático, limite inultrapassável a que se devem submeter os agentes do Estado e as próprias Forças Armadas!

Enfim, parece-me haver, entre a detenção e o sequestro, em 1963, perpetrados por militares amotinados contra o ministro Victor Nunes Leal, do STF, e o noticiado plano, agora revelado, de oficiais militares de assassinar o presidente Lula, o vice-presidente Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do STF, um indissociável vínculo histórico, um indisfarçável liame entre a tragédia e a farsa…

(CELSO DE MELLO, ministro aposentado e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, 1997-1999)

Com informações do STF

Leia mais

Votação encerrada: Advogados aguardam resultado das eleições para o biênio 2025-2027 da OAB-AM

As eleições para a presidência da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas (OAB-AM) aconteceu nesta terça-feira (19), das 9h às 17h, na...

Justiça Federal da 1ª Região não terá expediente na quarta-feira (20)

Nesta quarta-feira, dia 20 de novembro, não haverá expediente no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e nas respectivas Seções e Subseções Judiciárias...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

Militar preso pela PF roubou dados de engenheiro para golpe de estado

Um dos oficiais do Exército alvos da Operação Contragolpe, que a Polícia Federal (PF) deflagrou nesta terça-feira (19), usou...

Câmara aprova texto final de projeto que muda as regras para emendas

A Câmara dos Deputados finalizou nesta terça-feira (19) a votação do projeto de lei complementar (PLP) 175/24 ,que regulamenta as...

Plano de tentativa de golpe foi impresso no Planalto, diz PF

A Polícia Federal (PF) apurou que o plano golpista elaborado por militares para impedir a posse do presidente Luiz...

Votação encerrada: Advogados aguardam resultado das eleições para o biênio 2025-2027 da OAB-AM

As eleições para a presidência da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas (OAB-AM) aconteceu nesta terça-feira (19),...