Mães enfrentam assédio materno e outras dificuldades para se manterem no mercado de trabalho.

Mães enfrentam assédio materno e outras dificuldades para se manterem no mercado de trabalho.

“Se fosse hoje, você não seria contratada, porque toda semana você tá dando problema, toda semana você não tem com quem deixar a sua filha.”

“Dinheiro investido e jogado fora.”

“Está assinando um contrato de burrice, a gravidez vai atrapalhar a sua ascensão profissional.”

“Gravidez não é doença”.

“Emprego está difícil atualmente.”

“Você é irresponsável e super desonesta, engravidou de novo.”

Essas são algumas das frases ouvidas por trabalhadoras enquanto estavam grávidas ou após o retorno da licença-maternidade, retiradas de processos em que a Justiça do Trabalho deferiu o pagamento de indenizações em razão do dano moral que essas mulheres sofreram.

Violência e discriminação

São exemplos de uma realidade hostil vivenciada pelas mães no mercado de trabalho. “O assédio materno é uma realidade. É uma atitude perversa, com o intuito de tornar insuportável a vida da mãe no local de trabalho, chegando ao ponto de ela se sentir desconfortável e querer interromper o vínculo de emprego”,  diz a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Maria Helena Mallman. “A maternidade tem sido apontada, em várias pesquisas, como variável determinante para a violência e a discriminação das mulheres. A maioria prefere contratar colaboradoras com menos responsabilidades externas e que não estejam submetidas a ‘triplas jornadas’”, ressalta.

Segundo a ministra, o assédio materno se caracteriza por violências psicológicas e práticas discriminatórias às empregadas mães sempre no ambiente do trabalho ou em decorrência dele. Ele pode acontecer desde a confirmação da gravidez, no período destinado à amamentação e, principalmente, por ocasião do retorno da licença-maternidade. “São situações que repercutem em alterações ardilosas das condições laborais: modificação de função, fiscalização excessiva, alteração do posto de trabalho, variação de horário, advertências injustificadas dos superiores ou mesmo de colegas que se sentiram sobrecarregados durante o afastamento”, exemplifica.

O que dizem os números

Essa realidade se traduz, em escala nacional, em estatísticas que demonstram a dificuldade de as mães conciliarem a vida familiar com a profissional. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de ocupação entre mulheres que vivem em domicílios onde há uma criança com menos de três anos é de 54,6%. Esse índice é inferior ao registrado para as que vivem onde não há crianças nessa faixa etária, que é de 67,2%. Já para os homens, o efeito é inverso: quando há uma criança menor de três anos, a taxa de ocupação é de 89,2%; quando não há, é de 83,4%. O recorte estatístico considera mulheres na faixa dos 25 aos 49 anos.

Já o estudo “As consequências das políticas de licença-maternidade para o mercado de trabalho: evidências do Brasil” (disponível em inglês) identificou que, após 14 meses, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade acabam fora do mercado de trabalho – e as que têm menor escolarização são as mais prejudicadas. Na maior parte, elas são demitidas sem justa causa. A análise foi desenvolvida pelos pesquisadores Cecilia Machado e Valdemar Rodrigues de Pinho Neto e divulgada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A questão do tempo

Outra realidade desafiadora que leva as mães a não conseguirem permanecer no mercado profissional ou a não investir no desenvolvimento da própria carreira é a sobrecarga de trabalho. Segundo o IBGE, em 2019, elas dedicaram quase o dobro do tempo destinado por homens a cuidados de pessoas ou afazeres domésticos: foram 21,4 horas semanais das mulheres, ante 11 horas declaradas por eles.

Isso é resultado de uma construção cultural, que trata os cuidados familiares e domésticos como uma questão do gênero feminino, destaca a juíza do Trabalho Bárbara Ferrito, do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) e autora do livro “Direito e Desigualdade: Uma Análise da Discriminação das Mulheres no Mercado de Trabalho a partir dos Usos dos Tempos”.

Ações contínuas

Enfrentar a discriminação e o assédio requer, na avaliação da ministra Maria Helena Mallmann, ação contínua e conjunta entre os atores do mundo do trabalho, sindicatos e órgãos representativos de classe de todas as categorias profissionais. “Todos têm responsabilidades distintas e papéis complementares”.

Ela destaca, também, o papel educativo dos empregadores para a prevenção de condutas assediadoras e discriminatórias, com iniciativas de informação e conscientização e a abertura de canais seguros de denúncia para casos de assédio moral.

Ainda, para a ministra, é importante que as empresas apoiem a conscientização sobre a parentalidade responsiva (que promove o vínculo entre genitores e filhos de forma não violenta e sem abuso físico, sexual, moral ou psíquico) e a adoção de boas práticas para o retorno das trabalhadoras após o término da licença.

Responsabilidades compartilhadas

Recentemente, a Lei 14.457/2022, que instituiu o Programa Emprega + Mulheres, alterou a CLT para prever uma série de ações destinadas à inserção e à manutenção de mulheres no mercado de trabalho, incluindo, também, medidas que incentivem a participação dos homens na rede de cuidados da família.

A juíza Bárbara Ferrito observa, também, medidas voltadas à corresponsabilidade. “Apesar de o parto ser monopólio da mulher, todas as obrigações decorrentes dele podem ser devidamente repartidas com homens e redes de apoio”, afirma. “Trabalhos de cuidado não são exclusivos da mulher, mas próprios da vida humana e suas relações, devendo, pois, recair sobre homens e mulheres”.

Ela ainda ressalta que, essa transformação social deve se dar, também, nas normas jurídicas e nas instituições. “Essa mudança de olhar permite que problemas antes vistos como femininos se tornem questões sociais a serem resolvidas de forma estrutural, e não individualizada por cada mulher.”

Licença-maternidade

Exemplo disso é a licença-maternidade. A Constituição Federal prevê o afastamento de 120 dias para a mãe e de cinco dias para o pai. Países mundo afora adotam modelos diferentes. Itália, Portugal, França, Espanha e Alemanha, por exemplo, harmonizam o tempo da licença entre mães e pais com ajuda monetária. A Espanha, aliás, se tornou, em 2021, o primeiro país do mundo a dar licenças iguais a ambos após o nascimento do bebê (16 semanas), com remuneração integral.

O que fazer

A trabalhadora que sofre assédio ou discriminação em razão da maternidade pode procurar orientação jurídica para reivindicar seus direitos. “Muitas vezes, o relato da situação já indica a prática ilegal do empregador. Qualquer diferença de tratamento ou a desconsideração da condição de mãe ou de mulher pode ser indício de discriminação”, explica a juíza Bárbara Ferrito.

Ela alerta que os problemas podem ocorrer antes mesmo da contratação, como numa entrevista de emprego. “Perguntar estado civil, se tem filhos ou se pretende ter é discriminatório, porque indica que existe uma resposta ‘certa’”, esclarece.

Com informações do TST

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