Má-fé não se presume; se o autor do pedido não derruba a prova de que contratou, deve pagar

Má-fé não se presume; se o autor do pedido não derruba a prova de que contratou, deve pagar

Embora na sistemática do CDC as relações jurídicas devam sempre ser interpretadas em favor do consumidor, isso não significa que a má-fé do fornecedor seja presumida. Nos casos em que o fornecedor de serviços apresenta contrato devidamente assinado e que não há impugnação específica da validade da assinatura, deve-se presumir a autenticidade do negócio realizado. 

Com essa disposição, o Desembargador Flávio Humberto Pascarelli Lopes, do TJAM, liderou julgamento em recurso de apelação. No recurso o autor não concordou com a sentença que julgou improcedente um pedido de descontituição de um desconto dito lançado de forma irregular, sem contrato, direta e mensalmente em seu contracheque. Ocorre que o Banco, no sentido oposto, provou o contrato e a adequação dos descontos dentro da modalidade da contratação contestada. 

De acordo com o relator, a jurisprudência predominante tem reafirmado que a fraude não pode ser admitida de forma presumida, devendo ser comprovada sobejamente por quem detém o ônus de provar os fatos constitutivos do direito alegado. Essa premissa, embora lógica e alinhada à sistemática do ônus da prova no direito civil, adquire contornos específicos em matéria de consumo, exigindo reflexão.

Segundo Pascarelli, a responsabilidade por demonstrar a inexistência de fraude é frequentemente atribuída às instituições financeiras, que possuem melhores condições técnicas para apresentar evidências das operações contratuais.

No entanto, há situações em que o próprio consumidor, ao alegar irregularidades, falha em impugnar de forma concreta os fatos impeditivos do seu direito, limitando-se a afirmar a ocorrência de fraude de maneira genérica. Isso leva à necessidade de um rigoroso exame probatório por parte do Judiciário, que deve atuar com prudência para evitar tanto a perpetuação de fraudes quanto a penalização indevida de empresas que agiram dentro da legalidade.

Quando a instituição bancária apresenta nos autos documentos aptos a demonstrar a regularidade das contratações, cumpre ao consumidor, se pretender descaracterizá-los, apresentar elementos que sustentem suas alegações, sob pena de ver seu pleito rejeitado.

É que o direito do consumidor não pode ser confundido com um cheque em branco para alegar irregularidades sem a correspondente responsabilidade em comprová-las. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) assegura instrumentos para corrigir desequilíbrios nas relações de consumo, como a inversão do ônus da prova, mas isso não significa que a prova do alegado seja dispensável. Mesmo com a inversão, o consumidor ainda precisa demonstrar indícios mínimos que justifiquem sua pretensão.

O ponto de equilíbrio entre proteger consumidores vulneráveis e resguardar empresas contra a judicialização abusiva está no fiel cumprimento das regras processuais. A produção probatória deve observar os princípios da cooperação e da boa-fé objetiva, garantindo que o Judiciário julgue com base em fatos concretos e não em suposições. Isso é particularmente importante em um cenário em que o volume de demandas consumeristas continua em ascensão.

Assim, é imperativo reforçar que a presunção de fraude, além de ser uma exceção à regra da boa-fé contratual, careceu, no caso concreto,  de uma base sólida para sustentar a resolução de conflitos em prol do autor. Para Pascarelli, impor  às partes o dever de demonstrar suas alegações não é apenas uma questão de técnica processual, mas também uma forma de garantir o respeito à verdade material e à equidade no âmbito da Justiça. A sentença de improcedência foi mantida em sua totalidade. 

Além de perder a ação, ao autor foi majorado o valor da condenação em honorários ao advogado do Banco Cetelem. 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0656861-97.2022.8.04.0001

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