Loja de shopping de MG indenizará em R$ 30 mil gerente chamada de “macaco” e “sombra escura”

Loja de shopping de MG indenizará em R$ 30 mil gerente chamada de “macaco” e “sombra escura”

Uma decisão da juíza Jéssica Grazielle Andrade Martins, que atua na Justiça do Trabalho de Minas, foi finalista do Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2022. O concurso nacional do CNJ visa a premiar decisões e acórdãos que efetivam a promoção dos Direitos Humanos e a proteção às múltiplas diversidades e vulnerabilidades, com ênfase na observância dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil.

Esse concurso abrangeu oito categorias, sendo três decisões finalistas em cada categoria. Do total das 24 decisões selecionadas, apenas duas foram da Justiça do Trabalho. A sentença da magistrada ganhou destaque na categoria Direitos dos Afrodescendentes. Acompanhe, a seguir, o caso analisado pela julgadora:

A juíza Jéssica Grazielle Andrade Martins, em atuação na 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, condenou uma loja de um shopping da capital mineira ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 30 mil, a uma gerente vítima de atos discriminatórios praticados no ambiente de trabalho. Uma testemunha contou que mensagens de áudio preconceituosas relativas à autora da ação chegaram a ser ditas no grupo de WhatsApp da empresa. Segundo a testemunha, no período em que a trabalhadora foi apoiar a loja, havia mensagens como “a sombra escura já foi embora?”; “o macaco já foi embora?”.

Pelo depoimento, os áudios com conteúdo discriminatório foram trocados no grupo de WhatsApp das vendedoras e da gerente, em celular corporativo e de uso exclusivo da loja. Outra testemunha confirmou que os fatos ocorridos naquela loja chegaram até a unidade da rede em outro shopping da cidade. “O que comprova que houve divulgação da informação para além do mencionado grupo de WhatsApp”, pontuou a julgadora.

Segundo a juíza Jéssica Grazielle Andrade Martins, foi visível o desconforto da autora da ação ao relembrar, no depoimento pessoal, a situação vivenciada. A trabalhadora contou que “acreditava estar acolhida, mas não estava”. Afirmou que procurou a ouvidoria, mas nunca obteve retorno. Acrescentou ainda que teve receio de registrar um boletim de ocorrência e perder a oportunidade de trabalho.

Defesa

Na defesa, a empregadora alegou que a ex-empregada jamais foi vítima de discriminação racial. Afirmou que a empresa é reconhecida mundialmente pela gestão de pessoas e foi diversas vezes premiada e reconhecida pelas políticas aplicadas nesta seara. Informou que mantém um rígido rol de regras de conduta e comportamento, por meio de um programa de ouvidoria, não tolerando qualquer tipo de discriminação, assédio ou perseguição no ambiente de trabalho. Sustentou que, tão logo tomou conhecimento dos fatos, iniciou uma investigação pelo setor de “Compliance”. “A conclusão foi de que não restou evidenciado o ato discriminatório”, disse a defesa.

Entre os documentos trazidos aos autos, a empresa apresentou a Declaração de Compromisso pelos Direitos Humanos. Nesse documento, afirma que ela apoia e realiza iniciativas para o enfrentamento e superação do racismo institucional. “Nos comprometemos a aumentar a representatividade étnico-racial em nosso quadro de colaboradores nos diferentes cargos da empresa, buscando entender as diferentes questões étnicas de cada localidade onde atuarmos”, argumentou a empregadora.

Para a juíza Jéssica Grazielle Andrade Martins, aumentar a representatividade étnico-racial é um primeiro passo no sentido de combater a desigualdade. Mas, segundo a julgadora, a medida soa como estatística que não necessariamente se traduz na realidade fática vivenciada por um colaborador. “O fato de a empresa adotar uma política pautada por diversidade e inclusão não afasta o episódio retratado. O prestígio internacional de que goza não pode ser usado para diminuir a dor sofrida por um colaborador em seu ambiente de trabalho”, ressaltou a magistrada.

Segundo a julgadora, a empresa não anexou aos autos do processo a prova da investigação. “Tampouco deu retorno formal à vítima, que permaneceu no ambiente de trabalho, sem ter um encerramento quanto ao assunto. A ex-empregada fez um registro formal do ocorrido no sistema da empresa e deveria ter recebido uma resposta, ainda que fosse negativa. Essa falta de comunicação comprova a conduta omissiva da loja”.

No entendimento da julgadora, a conduta omissiva da empregadora é tão ou mais grave quanto o ato discriminatório em si. “Isso representa uma violação aos tratados internacionais de que o Brasil é signatário, bem como ao próprio contrato social, base de uma sociedade democrática”, pontuou.

Para a juíza Jéssica Grazielle Andrade Martins, como a empresa adota uma política pautada por diversidade e inclusão, a gerente confiou que poderia denunciar os desvios de conduta nos canais adequados. “Mas há uma quebra da fidúcia depositada no momento em que a discriminação é vivenciada por uma empregada em seu ambiente de trabalho e a resposta institucional é o silêncio. Isso impactou de tal forma na autora da ação que, com medo de ser eliminada no ambiente de trabalho, sequer registrou boletim de ocorrência”.

Assim, presentes os pressupostos fáticos e jurídicos da responsabilidade civil, a julgadora reconheceu o dever de indenizar, determinando o pagamento de R$ 30 mil de indenização. Na decisão, a juíza levou em consideração a capacidade econômica do ofensor e do ofendido, a natureza da ofensa moral, além do efeito pedagógico da medida, a fim de estimular a empresa a zelar pela regular conduta dos empregados. Ao final, a trabalhadora e a empresa celebraram um acordo, em audiência de conciliação realizada no Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (CEJUSC-JT) 2º Grau. O processo já foi arquivado definitivamente.

  •  PJe: 0010095-78.2022.5.03.0012

Com informações do TRT3

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