Maternidade, antes de de ser um fenômeno biológico, é um conceito afetivo, um vínculo complexo que une pessoas. A razão de ser da licença maternidade não é o desenvolvimento sadio do vínculo gestadora-gestado, mas do desenvolvimento do vínculo sadio entre mãe e filhos, mesmo que não haja relação biológica ou gestacional entre eles.
Seguindo esse raciocínio, o juiz José Henrique Kaster Franco, da 2ª Turma Recursal Mista do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJ-MS), concedeu uma liminar em favor de uma mãe para concessão de licença-maternidade.
A esposa dela engravidou em tratamento por fertilização in vitro. Os óvulos foram doados pela impetrante e, após fecundados, transferidos para o ventre da companheira em dezembro de 2022. O casal decidiu que ambas seriam lactantes. Para isso, a doadora do óvulo iniciou tratamento hormonal para garantir que tenha condições de amamentar suas filhas.
Por se tratar de uma gestação de alto risco, o parto foi antecipado para o início de julho, culminando no nascimento prematuro na 32ª semana de gestação. As crianças estão em tratamento na unidade de tratamento intensivo (UTI) neonatal. De acordo com os autos, a mãe apresentou um pedido de licença-maternidade à Prefeitura, mas que foi indeferido sob o argumento de que ela não era a gestante na relação.
A defesa dela ingressou com o pedido lembrando o resultado dos julgamentos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, que independe da natureza da filiação, bem como assegura condições para a amamentação das crianças pela mãe impetrante. Lembrou também que a Lei Complementar 190/2011 (Estatuto do Servidor Municipal de Campo Grande/MS), preconiza que a licença maternidade será concedida, inclusive, pela adoção de criança.
Ao analisar o caso, o juiz frisou que, além de ser mãe por força do registro civil, a impetrante também é mãe biológica de uma das filhas do casal. Além disso, destacou que o pedido da mãe está amparado no estatuto que rege o funcionalismo da capital sul-mato-grossense.
O magistrado lembrou o julgamento de situação idêntica pelo Supremo Tribunal Federal, que admitiu repercussão geral no RE 1.211.446 — Tema 1.072. “O reconhecimento da condição de mãe à mulher não gestante, em união homoafetiva, no âmbito da concessão da licença-maternidade, tem o condão de fortalecer o direito à igualdade material e, simbolicamente, de exteriorizar o respeito estatal às diversas escolhas devida e configuração familiares existentes.”
“Além da própria mãe, a garantia da licença visa principalmente ao melhor interesse das crianças e ao próprio desenvolvimento da família. O contato prolongado e contínuo garante, a propósito, a futura saúde física e mental dos infantes”, destacou o magistrado.
Processo 4000304-81.2023.8.12.9000
Com informações do Conjur