As receitas públicas, por sua natureza vinculada, não devem ser alvo de constrição judicial, seja por arresto ou sequestro ou penhora para a satisfação de créditos trabalhistas. Há sobre essas receitas uma proteção que visa garantir aos entes públicos que possam não apenas manter, mas que, em potencial, consigam dar continuidade às suas atividades administrativas e de sua programação financeira, evitando riscos que possam comprometer a saúde dos cofres públicos.
Com essa razão de decidir, o Ministro Kássio Nunes Marques, do STF, aceitou Reclamação Constitucional ajuizada pelo Município de Manaus e anulou decisão do Juiz Rodrigo Guarnieri, da 2ª Vara do Trabalho de Rio Branco, no Acre. A medida isenta o Município de Manaus de um bloqueio irregular de R$ 2.272.626,60 (dois milhões, duzentos e setenta e dois mil, seiscentos e vinte e seis reais e sessenta centavos), objetivando a satisfação de crédito de execução trabalhista em face da empresa de coletivos Viação São Pedro.
Na Reclamação, o Procurador João Victor Martins Pereira da Silva, do Município de Manaus, narrou ao Ministro que, por meio de uma ação trabalhista em fase de execução, o magistrado reclamado determinou o bloqueio de valores sob a justificativa de numerários devidos pelo IMMU à concessionária de serviço público Viação São Pedro Ltda, apontando, indevidamente, a responsabilidade do Município para a satisfação de crédito trabalhista da empresa privada em processo de execução que lhe movera um ex-funcionário.
João Victor explicou ao Ministro que os valores repassados à Viação São Pedro não eram aleatórios, ou que pudessem ser utilizados para compor eventual lucro da empresa concessionária, e que esse repasse tem a finalidade, tão só, de custear as diferenças identificadas mensalmente entre a tarifa cobrada dos usuários de transporte coletivo e o custo efetivo do serviço.
O Procurador explicou que, no caso de recursos oriundos do Fundo Municipal de Mobilidade Urbana, sua destinação tem finalidades específicas e de interesse público: garantir tarifas econômicas, garantir gratificações para determinados grupos e manter o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos de transporte. Qualquer desvio desse propósito pode gerar desequilíbrios graves, afetando diretamente a população.
Com a decisão, Kássio Nunes Marques definiu que receitas públicas não podem ser alvo de constrição judicial mediante penhora ou arresto para satisfação de créditos trabalhistas.
Entes públicos devem ser resguardados dos impactos de bloqueios e sequestros de verbas sobre a sua atividade administrativa e programação financeira. Recursos e valores oriundos do Fundo Municipal de Mobilidade Urbana tem destinação vinculada à finalidade pública de garantir a modicidade das tarifas, a gratuidade tarifária para determinadas categorias de administrados, proporcionando o equilíbiro econômico-financeiro do contrato de natureza administrativa.
Desta forma, Nunes Marques julgou procedente a Reclamação Constitucional, anulando o bloqueio de recursos oriundos do Fundo Municipal de Mobilidade Urbana, destinados à garantia de tarifas módicas e gratificações em transporte público.
O ministro destacou que a constrição de verbas públicas, à permanecer, violaria a organização orçamentária e a independência dos poderes, conforme entendimento firmado nas ADPFs 275 e 485. A decisão determina a prolação de nova decisão no caso de origem, em conformidade com os paradigmas indicados.
Em suma, verbas públicas não podem ser objeto de bloqueio, penhora ou sequestro para pagamento de valores devidos em ações trabalhistas, ainda que as empresas envolvidas tenham créditos a receber da administração pública.
Rcl 73709 / AC – ACRE
RECLAMAÇÃO
Relator(a): Min. NUNES MARQUES