Se um casal se separar na prática, ou seja, deixa de viver junto, e um dos parceiros continua morando no imóvel sozinho por um longo período, pode começar a contar o prazo para que ele peça a propriedade definitiva desse bem por usucapião.
Isso acontece porque a lei permite que alguém se torne dono de um imóvel quando o utilizar por muitos anos, sem que ninguém conteste, como se fosse realmente seu. No caso de um casal separado, se um dos dois abandona o imóvel e o outro continua vivendo nele sozinho, sem nenhuma oposição, o tempo de uso começa a contar para a usucapião.
A Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) manteve a sentença de primeiro grau que reconheceu a usucapião extraordinária em favor de uma ex-mulher, negando a reivindicação de posse formulada pelo ex-marido. Foi relator o Desembargador Flávio Humberto Pascarelli Lopes.
O caso envolveu a alegação de que o imóvel teria sido ocupado apenas por mera tolerância do autor da ação, o ex-marido, sem preenchimento dos requisitos para a aquisição da propriedade por usucapião por parte da ex-companheira.
No recurso, o ex-marido sustentou que a posse exercida pela ex-mulher não preenchia os requisitos para a usucapião extraordinária, pois teria sido apenas permitida por contrato verbal entre as partes. Alegou ainda que teria ajuizado ação anteriormente para retomar o bem, o que interromperia o prazo necessário para a prescrição aquisitiva da antiga companheira.
A usucapião extraordinária, prevista no artigo 1.238 do Código Civil, exige posse mansa, pacífica e ininterrupta do imóvel por pelo menos 15 anos, prazo que pode ser reduzido para 10 anos caso o possuidor tenha estabelecido moradia habitual ou realizado melhorias produtivas no local. No caso de ex-cônjuges, a contagem do prazo só se inicia após a dissolução do vínculo conjugal, conforme os artigos 197, inciso I, e 1.244 do Código Civil, além da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O TJAM observou que a separação ocorreu em 1997 e a ação foi ajuizada somente em 2019, evidenciando que a posse da ex-mulher ultrapassou o período mínimo exigido por lei para aquisição da propriedade.
Além disso, a alegação do autor de que houve uma ação anterior não foi devidamente comprovada nos autos, pois o ex-marido não apresentou número do processo ou data de seu ajuizamento. O tribunal também ressaltou que mesmo que tal ação tenha sido proposta logo após a separação, teria sido extinta sem resolução do mérito, sem interromper o prazo prescricional.
O ex-marido também alegou que a ex-mulher não possuía o imóvel de fato, apenas o detinha por mera tolerância, conforme um suposto contrato verbal entre as partes. Contudo, não conseguiu comprovar essa afirmação, pois não anexou qualquer documento ou depoimento testemunhal que corroborasse a existência do acordo.
Em contrapartida, a ex-mulher apresentou comprovantes de pagamento de tributos, boletim de cadastro imobiliário, faturas de água e esgoto e contas de energia elétrica em seu nome, demonstrando a posse direta do imóvel por mais de duas décadas.
Diante da ausência de provas que sustentassem a reivindicação do ex-marido e da comprovação da posse da ex-mulher, a Primeira Câmara Cível do TJAM negou provimento ao recurso e manteve a sentença que reconheceu a usucapião extraordinária em favor da ex-esposa. Além disso, a corte majorou os honorários advocatícios para 15% sobre o valor da causa, conforme previsto no artigo 85, §11, do Código de Processo Civil.
A decisão reforça a aplicabilidade da usucapião extraordinária em disputas entre ex-cônjuges, destacando a importância da posse consolidada ao longo dos anos e a necessidade de provas robustas para afastar esse direito.
O número do processo não pode ser revelado por informações sensíves.