A 3ª Vara Federal de Pelotas (RS) determinou a concessão de aposentadoria por idade rural a uma agricultora de Jaguarão (RS) que não teve reconhecido pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) o seu tempo de atuação como trabalhadora rural. A sentença é da juíza federal Andréia Castro Dias Moreira.
A autora ingressou com ação narrando que, desde 2005, trabalha interruptamente como agricultora, plantando e comercializando hortaliças, batata doce e batata inglesa, e também na criação de animais, como porco, galinha, vaca de leite e de cria. Afirmou que exerce as atividades rurais de maneira individual, em terras cedidas, e que seu marido possui vínculo empregatício urbano, sendo ambas as rendas indispensáveis para a sobrevivência familiar. A agricultora sustentou que solicitou, em 2021, a concessão de aposentadoria por idade rural no INSS, mas foi indeferida.
Ao analisar o caso, a juíza verificou que a legislação brasileira prevê que, para a concessão de aposentadoria por idade rural de mulheres, a requerente precisa ter idade mínima de 55 anos e ter cumprido pelo menos 180 meses de contribuições. Moreira observou que a autora anexou documentos para comprovar o preenchimento dos requisitos, entre os quais a Carteira de Trabalho – emitida em 1984 – e notas fiscais que constam em seu nome e de seu marido.
Os depoimentos de testemunhas reafirmaram que ela é o responsável por arrendar 20 hectares de terra para que desenvolva suas atividades rurais no interior de Jaguarão e que ela trabalha com gado e com produção de laticínios e de produtos hortifrutigranjeiros. Em depoimento pessoal, a agricultora afirmou que possui em torno de 25 cabeças de gado em sua propriedade, com os quais lida diariamente, produzindo leite para a fabricação de queijos e doces de leite.
Avaliando todo o conjunto probatório, a magistrada identificou que muitas das notas fiscais anexadas constam no nome do marido da autora, o que, no entanto, não desmente que o trabalho desempenhado por ela seja vital para a família.
“No caso, observando toda a prova material carreada, bem como o depoimento das testemunhas, que informaram que a renda auferida pela autora com a produção rural é imprescindível ao sustento da família, não é possível desconsiderar toda a atividade laboral realizada apenas em função do seu cônjuge possuir renda (que sequer é expressiva), pois, ao fim e ao cabo, seria diminuir o trabalho e potência da mulher do campo, discriminando-a e cometendo nefasto preconceito de gênero, o que ofende o princípio da igualdade, a dignidade do trabalho e da mulher”, pontuou a magistrada.
A juíza ainda destacou a urgência na efetiva aplicação do art. 5º da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que foi ratificada pelo Brasil e introduzida através do Decreto 4.377/2002, “a qual impõe a integração da mulher em todas as esferas da vida pública e privada, eliminando-se os esteriótipos de gênero, o que, infelizmente, é muito encontrados no trabalho rural, na medida em que é comum se propagar a ideia (estigmatizada e falsa) de que a mulher apenas ‘ajudaria o homem’-marido, pai, tio (…), nas lidas rurais. De fato, é tão enraigada, repita-se, essa falsa fala, esteada numa sociedade patriarcal e repleta de um machismo estrutural, que as próprias mulheres agricultoras sequer percebem que seu trabalho é fundamental e indispensável para o desenvolvimento do grupo familiar e que sem ele o resultado obtido seria efetivamente menor ou inexistente”.
Moreira concluiu que a autora preenche aos requisitos necessários para o recebimento do benefício, pois cumpre o tempo rural, ainda que de forma descontínua, igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência (180 meses), a idade (55 anos) e o requisito da imediatidade (estava no exercício de atividade rural em julho de 2021. Ela julgou procedente a ação condenando o INSS a implantar a aposentadoria por idade e pagar as parcelas atrasadas. Cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.