A 1ª Vara Cível e de Acidentes de Trabalho da Comarca de Manaus reconheceu a inexistência de contrato de empréstimo entre um consumidor e o Banco Bradesco Financiamentos S/A, e condenou a instituição à devolução dos valores indevidamente descontados do contracheque da parte autora, além do pagamento de R$ 5 mil por danos morais. A restituição, contudo, foi fixada na forma simples — e não em dobro, como pleiteado na ação.
Na petição inicial, o consumidor alegou ter sido abordado por um representante bancário com proposta de empréstimo consignado, a qual recusou. Ainda assim, passou a sofrer descontos mensais em seu contracheque sob a rubrica “BANCO BMC S/A – EMP. COD.5747”, sem jamais ter assinado qualquer contrato. Segundo relatado, a instituição financeira também nunca apresentou cópia da suposta contratação, mesmo após diversas tentativas de solicitação administrativa.
O autor então ingressou com ação pedindo a declaração de inexistência da dívida, a restituição em dobro dos valores descontados (com base no art. 42, § único, do Código de Defesa do Consumidor) e a condenação por danos morais, totalizando um pleito de R$ 24.730,00.
Em contestação, o banco alegou que houve regular liberação de crédito na conta do autor, que este não procedeu com a devolução, e que sua inércia por anos desde o primeiro desconto evidenciaria anuência tácita à contratação. Juntou documentos que, segundo a defesa, comprovariam a relação contratual.
O juiz Cid da Veiga Soares Júnior, ao julgar antecipadamente a lide, reconheceu a inexistência da contratação por ausência de prova válida, mas considerou que houve crédito efetivamente liberado em favor do autor, e que este não negou ter recebido os valores.
Por esse motivo, entendeu que não ficou caracterizada má-fé do banco, o que afastaria a devolução em dobro e justificaria a aplicação da restituição simples, com compensação entre os valores descontados e o montante eventualmente creditado ao consumidor.
Entenda o ponto técnico: O art. 42, § único, do CDC prevê a devolução em dobro do valor cobrado indevidamente, acrescido de correção e juros, salvo hipótese de engano justificável. Embora não se exija má-fé para essa sanção, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que, havendo dúvidas razoáveis ou liberação de crédito que não foi devolvido, a restituição pode ser fixada na forma simples.
Essa distinção está no centro do debate sobre quando se aplica a repetição do indébito em dobro, especialmente em contratos bancários não formalizados adequadamente.
“A devolução em dobro independe da prova de má-fé do fornecedor, bastando a ausência de engano justificável” – STJ, Súmula 322.
Apesar disso, o magistrado reconheceu a existência de dano moral, afirmando que os descontos comprometeram o orçamento do consumidor por vários anos, causando transtornos que ultrapassaram os meros aborrecimentos. A indenização foi fixada em R$ 5 mil, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
A decisão também reconheceu que se tratava de relação de trato sucessivo, já que os descontos ocorriam mês a mês, de forma contínua. Com isso, aplicou-se o prazo prescricional quinquenal do art. 27 do CDC, considerando prescritas apenas as parcelas anteriores a agosto de 2019.
O banco foi condenado ao pagamento de R$ 8.703,87 em restituição simples, além dos valores descontados desde o ajuizamento da ação, com correção monetária (IPCA) e juros legais (SELIC menos IPCA), bem como das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação.
PROCESSO Nº 0554424-07.2024.8.04.0001