Decisão da Desembargadora Federal Ana Carolina Roman, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), consolidou a competência da Justiça Federal para processar e julgar a ação civil pública referente à Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Rio Negro. Para o TRF1 há interesse federal no caso, uma vez que a causa transcende à limitação técnico jurídico e transborda para questões relacionados à preservação ambiental, regularização fundiária e proteção dos direitos das populações tradicionais daquela Região.
Na causa o MPF denuncia a invasão e a grilagem de terras na RDS, que, segundo o órgão, afetam diretamente a subsistência das comunidades tradicionais, desestruturam os ecossistemas locais e configuram uma ameaça à estabilidade jurídica das políticas públicas de preservação ambiental. Os procuradores buscam uma indenização de R$ 200 mil por danos morais coletivos com a responsabilização de todos os entes envolvidos.
A ação do Ministério Público narra que a SEMA, órgão gestor da Unidade de Conservação
detém conhecimento das invasões e grilagens, que ocorrem sem anuência do Conselho Deliberativo da RDS, e que a ocupação ilegal é estimulada por órgãos federais, seja por meio de ligações de energia elétrica de invasores através do Programa Luz para Todos ou porque as áreas irregularmente ocupadas são beneficiadas pelo Programa Terra Legal, estimulando mais pessoas de fora para aderirem ao processo de ocupações ilegais.
Os moradores da RDS são representados pela Defensoria Pública da União. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro foi criada em 2008 pela lei 3.355 e possui área total de 103.086 ha. A RDS do Rio Negro está localizada no estado do Amazonas, e abrange os municípios de Manacapuru, Iranduba e Novo Airão.
A área está sujeita a intensos conflitos fundiários e ambientais, resultando em questões relacionadas à regularização fundiária e à proteção ambiental, com a participação de diversas pessoas, incluindo o Estado do Amazonas, a Amazonas Energia S/A e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
A competência da Justiça Federal havia sido alvo de recurso que objetivou a transferência da ação para a Justiça Estadual. Um dos argumentos é que a RDS Rio Negro é uma unidade de conservação criada por legislação estadual e administrada pelo Estado do Amazonas, não havendo interesse direto da União na demanda, inclusive, porque a SEMA é o órgão gestor da Unidade de Conservação.
O pedido foi recusado pelo TRF1. Segundo a decisão, o simples fato da SEMA ser o órgão gestor da Unidade de Conservação Rio Negro não afasta o interesse federal sobre a regularidade da execução dos programas de políticas públicas federais executados na área da RDS Rio Negro que, no caso, é o objeto de discussão da ação para responsabilizar o polo passivo.
Outro ponto que atrai a competência da Justiça Federal é o que o Rio Negro é de propriedade da União Federal e tem a sua nascente em país estrangeiro (Colômbia), com uma extensão de mais de 6 km pelo Estado do Amazonas. Até chegar ao encontro do Rio Solimões em Manaus e, a partir dessa confluência, recebe o nome de rio Amazonas. Assim, enquadra-se na descrição dos bens pertencentes à União, nos termos do art. 20, III, da CF, explicou a decisão.
A Magistrada Federal define que o simples fato de o Estado do Amazonas ter optado por instituir unidade de conservação em área federal não tem o condão de alterar a dominialidade federal do Rio Negro e seus terrenos marginais, bens federais por força de comando constitucional.
A decisão adverte que não se deve olvidar que a Reserva de Desenvolvimento Sustentável, nos termos do art. 20 da Lei nº 9985/2008, “é uma área natural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica.