Justiça do Trabalho anula justa causa de professor demitido por abordar temas políticos em sala de aula

Justiça do Trabalho anula justa causa de professor demitido por abordar temas políticos em sala de aula

Um professor de História conseguiu reverter a dispensa por justa causa aplicada por uma escola particular de Goiânia após abordar temas políticos em sala de aula. Em segunda instância de julgamento, os integrantes da 3ª Turma do TRT-GO decidiram manter a decisão da 14ª Vara do Trabalho de Goiânia que declarou a nulidade da dispensa por justa causa, convertendo-a em dispensa sem justa causa. O entendimento é que a punição foi discriminatória e violou a liberdade de cátedra (ou liberdade acadêmica), princípio garantido pela Constituição Federal.

Entenda o caso

Conforme o processo, o professor lecionava História na escola desde 2017 e foi demitido por justa causa em dezembro de 2023. A escola alegou que ele desviava o foco das aulas para discussões político-partidárias e que sua conduta havia gerado insatisfação entre pais e alunos. Afirmou que tinha cinco professores de História e as reclamações ocorriam apenas em face desse professor, “repercutindo na exigência dos pais por sua demissão”. O caso ganhou repercussão quando um deputado federal por Goiás fez uma postagem em suas redes sociais criticando a abordagem do professor sobre o movimento “Escola Sem Partido”, em março de 2023. 

O professor relatou que fora dispensado em dezembro daquele ano como desdobramento desse evento nas redes sociais, sob a justificativa de prática de indisciplina e insubordinação ao “discutir tese de cunho político dentro de sala de aula e não completando o conteúdo programado”. Em sua defesa, ele argumentou que seguia o cronograma da disciplina e que sua função como professor de história “é debater assuntos que também envolvem a política, em especial na história do Brasil”. Ele alegou que a demissão foi discriminatória por motivação de ideologia política. 

Recursos

As duas partes recorreram ao segundo grau. O professor requeria a majoração da indenização por danos morais, arbitrada em R$ 50 mil na primeira instância, diante da “gravidade da conduta”. 

Já a escola pedia a exclusão da condenação por danos morais. Argumentou que a reclamação dos alunos de que o professor estava deixando de dar conteúdo pedagógico para discussão de política partidária, bem como a insatisfação entre os pais, são faltas graves suficientes para rompimento do contrato por justa causa. Acrescentou que o professor já tinha recebido duas advertências pela mesma falta.

Liberdade de cátedra

Os recursos foram analisados pelo desembargador Marcelo Pedra, relator. Ele entendeu estarem corretos os fundamentos da sentença da 14ª VT de Goiânia que considerou a dispensa discriminatória. Conforme a sentença, a escola violou a liberdade de cátedra do professor ao exigir que ele ministrasse aulas de história sem abordar o contexto político recente do país, incluindo temas como o movimento “Escola Sem Partido”. A decisão ressaltou que a instituição cedeu à pressão de alguns pais, impondo que o professor lecionasse sem a autonomia necessária, tendo dispensado-o quando ele se recusou a abrir mão de sua liberdade de cátedra, ou seja, sua autonomia pedagógica. A decisão também considerou que a punição foi aplicada de forma tardia (dezembro de 2023), representando, ainda, dupla penalização, tendo em vista que o professor já havia sido advertido em março do mesmo ano.

Em seu voto, o relator acrescentou que a escola não comprovou de maneira robusta suas alegações, não tendo apontado sequer qual teria sido o teor da fala do professor em sala de aula determinante para a aplicação da pena de dispensa por justa causa. Ele ainda observou que a escola não instaurou um procedimento interno de apuração, não ouviu alunos além daqueles que reclamaram e não investigou se a insatisfação dos estudantes e pais decorreu de um desvio de conduta do professor ou apenas de divergências ideológicas. 

Marcelo Pedra ainda argumentou que a escola não trouxe evidências do nexo entre as ligações de alguns pais ameaçando tirar os filhos da escola caso o reclamante continuasse abordando assuntos políticos e a queda no número de alunos matriculados, nem nominou alunos ou familiares insatisfeitos, nem os arrolou como testemunhas. Ele mencionou que a testemunha citou supostas reclamações de apenas cinco pais. “O que demonstra que a alegada insatisfação com as aulas ministradas pelo reclamante em razão da abordagem de temas políticos refletia a opinião de uma minoria”, considerou.

Danos morais

Por fim, os demais integrantes da 3ª Turma do TRT-GO acompanharam o entendimento do relator, por unanimidade, mantendo a decisão de primeira instância; no entanto, quanto ao valor da indenização por danos morais, decidiram reduzir de R$ 50 mil para R$ 20 mil, considerando as dificuldades financeiras enfrentadas pela instituição. Assim, foi dado provimento parcial ao recurso da escola e negado provimento ao recurso do professor, que pretendia a majoração do valor. 

Com a conversão da dispensa por justa causa em dispensa sem justa causa, além da indenização, o professor deverá receber em dobro os salários devidos entre a data da dispensa e a publicação da decisão.

Após a publicação do acórdão, as duas partes apresentaram recursos de revista, pendentes de admissibilidade. Caso sejam admitidos, o processo será analisado pelo Tribunal Superior do Trabalho. 

PROCESSO TRT – ROT – 0010141-73.2024.5.18.0014

Com informações do TRT-18

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