A notificação extrajudicial por telegrama, desacompanhada de comprovação de recebimento com fé pública, não é suficiente para configurar a constituição em mora do devedor fiduciário. Com esse entendimento, o juiz Cid da Veiga Soares Júnior, da 1ª Vara Cível de Manaus, pôs fim a uma ação de busca e apreensão ajuizada por instituição financeira.
A tentativa de constituir o devedor em mora por meio de telegrama, sem comprovação de recebimento com fé pública, levou à extinção de uma ação de busca e apreensão ajuizada por instituição financeira. A decisão foi proferida pelo juiz Cid da Veiga Soares Júnior, da 1ª Vara Cível de Manaus, que indeferiu a petição inicial ao reconhecer a ausência de pressuposto essencial ao desenvolvimento válido do processo.
No processo nº 0087956-05.2025.8.04.1000, a Cooperativa de Crédito de Livre Admissão do Centro Norte Brasileiro – Sicoob Unicentro Norte Brasileiro acionou judicialmente o devedor para retomar a posse de um veículo alienado fiduciariamente, alegando inadimplemento contratual. A causa foi avaliada em R$ 117.437,50.
Contudo, conforme destacou o magistrado, a única tentativa de notificação do devedor foi realizada via telegrama, sem qualquer comprovação de recebimento com fé pública — como seria o caso da notificação via Cartório de Títulos e Documentos ou do protesto de título. Para o juiz, essa escolha fragilizou a ação desde a origem, pois não demonstrou que o réu foi efetivamente constituído em mora, conforme exige o artigo 2º, §2º, do Decreto-Lei 911/69 e a Súmula 72 do STJ.
Em sua fundamentação, o juiz explicou que, embora a mora seja considerada ex re nos contratos fiduciários — isto é, decorrente do próprio inadimplemento — a prova da notificação extrajudicial válida continua sendo requisito formal indispensável para a propositura da ação de busca e apreensão.
A sentença também transcreveu jurisprudência a qual afirma expressamente que a notificação extrajudicial por telegrama, mesmo enviada ao endereço contratual, é ineficaz se não estiver acompanhada de aviso de recebimento assinado, pois a mera informação de entrega fornecida pelos Correios carece de fé pública.
Com base nesse entendimento, o juiz declarou que o autor não logrou demonstrar a constituição de mora e, por consequência, julgou extinta a ação sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV, do Código de Processo Civil. A sentença também advertiu sobre a possibilidade de multa de até 20% do valor da causa caso nova ação idêntica seja proposta sem o devido saneamento dos vícios processuais identificados.
A decisão destaca que o uso de meios frágeis de notificação, como o telegrama sem AR, pode inviabilizar demandas fundadas em contratos com garantia fiduciária, cuja estrutura jurídica exige rigor documental e formalismo procedimental.
Processo: 0087956-05.2025.8.04.1000