Em razão da liberdade de imprensa assegurada pela Constituição Federal, não pode ser classificada como falsa a notícia cujo teor, posteriormente, não se confirme. O que não se admite é a deliberada manipulação do fato divulgado ou o flagrante descuido na sua checagem.
Tais observações balizaram sentença da juíza Adriana Brandini do Amparo, da 5ª Vara Cível do Foro Regional de Santana, em São Paulo, ao julgar improcedente ação de obrigação de fazer movida pela funkeira MC Mirella contra os seguintes veículos de imprensa: O Globo, SBT, TV Record, UOL, Terra e Jovem Pan Online.
As empresas divulgaram diálogo travado em rede social entre a autora e uma adolescente. Na conversa, a funkeira tenta supostamente intermediar o encontro da menor da idade com um empresário do Paraguai, naquele país, em troca de R$ 5 mil. Porém, a garota recusou a oferta e a denunciou publicamente, dando origem às notícias.
“A exigência da busca da verdade não deve ser entendida com demasiado rigor, pois isso implicaria o risco de embaraço à atividade da imprensa e ao direito de informação”, observou a julgadora. “Portanto, não merece reprovação a notícia cujo conteúdo não se comprove verdadeiro, senão em hipótese de intencional distorção do fato noticiado ou de manifesta negligência na apuração dele”, concluiu a julgadora.
Inicial e contestações
A autora narrou na inicial que, em abril de 2019, as empresas de comunicação divulgaram notícias de que aliciaria menores de idade para a prostituição e o tráfico internacional de pessoas. Tal situação lhe causou inúmeros constrangimentos e prejuízos irreparáveis, motivando-a a gravar na época um vídeo de esclarecimento.
Conforme a funkeira, embora nunca tenha sido indiciada, as notícias foram replicadas por inúmeras plataformas menores. Por esse motivo, ela pleiteou a concessão de tutela de urgência para as empresas requeridas removerem os conteúdos localizáveis em sites de busca como “MC Mirella aliciamento” e semelhantes. Esse pedido foi indeferido.
No mérito, MC Mirella requereu a procedência da ação para tornar definitivos os efeitos da tutela e condenar às rés à remoção definitiva dos conteúdos, segundo ela, violadores do seu direito. Com milhões de seguidores nas redes sociais, ela destacou o seu status de figura pública e alegou que teve a imagem manchada por notícias “sem fundamento”.
As empresas de comunicação alegaram em síntese que os textos foram divulgados em um contexto de interesso público, caracterizando o exercício regular da atividade de imprensa. Elas ainda sustentaram que as notícias, sem imputar à autora a prática de crime, não emitiram juízo de valor e tiveram cunho meramente informativo, sendo fiéis às declarações de uma das partes envolvidas na conversa tornada pública.
Liberdade de imprensa
Segundo a magistrada, não houve abuso ou descuido na notícia, “que se originou de fontes identificadas e que se ateve, como dito, à narrativa do que colhido junto àquelas fontes”. Ela também afastou o argumento de que a publicação da notícia dependeria de consulta à autora. “Fosse assim, não seria plena, como é de ser, a liberdade de imprensa”.
“No contexto, a proteção à imagem, à honra e a correlatos direitos da personalidade da autora deve ceder passo ao direito de informar e ao de receber informação, estes também abrangidos pelo catálogo constitucional de garantias fundamentais. Não foi evidenciado, pois, o alegado abuso de direito”, ponderou Adriana Brandini do Amparo.
Sem vislumbrar qualquer ato ilícito cometido pelas rés, que se restringiram a reproduzir os fatos ocorridos, a julgadora rejeitou o pedido da funkeira. Ela fundamentou a sua decisão na liberdade de imprensa, expressamente prevista na CF (artigo 220, caput e parágrafo 1º) e uma das garantias ao Estado Democrático de Direito.
MC Mirella deverá pagar as custas e despesas processuais, além dos honorários dos advogados de cada ré, fixados em 10% do valor atualizado da causa — determinado em R$ 10 mil pela autora para fins de alçada. Ela também acionou o site Catraca Livre, mas o processo foi extinto, sem resolução de mérito, em relação a esse requerido, por carência superveniente da ação, porque ele removeu o conteúdo objeto de impugnação.
Depoimento no TRF-3
Por ocasião das notícias que motivaram o ajuizamento da ação, o procurador da República Wesley Miranda Alves informou que determinou a instauração de “notícia fato” ao tomar conhecimento pelas redes sociais de “vídeos e mensagens postados por uma das supostas vítimas” da artista.
Diante da repercussão do caso na mídia, MC Mirella postou um vídeo de esclarecimento no qual afirmou que não houve qualquer tipo de aliciamento, mas apenas oferta profissional de “presença VIP”. Ela ainda acusou a adolescente de agir “na maldade” e se valer do episódio para ganhar fama.
Em dezembro de 2022, ao se manifestar nos autos para dizer que não havia outras provas a produzir, além daquelas já juntadas sobre as “falsas acusações e especulações a respeito do crime de aliciamento de menores”, a advogada da funkeira, Adélia de Jesus Soares, disse que a cliente havia sido ouvida recentemente pela Justiça Federal como “vítima”.
“A autora foi ouvida no processo criminal nº 5003525-82.2020.4.03.6110, com trâmite perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em que se investiga o crime de tráfico de pessoas e aliciamento de menores, como vítima e não como acusada, conforme pode ser verificado nos próprios autos daquele processo, o qual demonstra ainda mais a falsidade das notícias em questão, objetos da presente demanda”, informou a advogada.
Processo 1020663-52.2020.8.26.0001
Com informações do Conjur