Se a droga foi apreendida no interior da residência do réu, sem mandado, sem autorização válida e sem situação de flagrante delito, a prova é ilícita. E como a materialidade do crime de tráfico de drogas depende dessa prova, a absolvição do réu se impõe porque, o Judiciário, como guardião de direitos fundamentais, deve proclamar a ilicitude das provas e absolver o réu da acusação, definiu a Juíza Rosália Guimarães Sarmento, da 2ª Vecute.
Os fatos
No caso concreto, uma equipe policial investigava o suspeito com o tráfico de drogas sintéticas, realizando campanas em dois endereços por ele frequentados. Durante a vigilância, abordaram um homem, que revelou ser irmão de uma jovem, companheira do investigado.
Com suposta autorização, posteriormente desmentida, os policiais entraram no imóvel e encontraram uma encomenda de conteúdo duvidoso, que seria destinada ao pretenso traficante. Dentro da caixa, havia drogas sintéticas. Na sequência, o suspeito foi localizado no segundo endereço, onde foram apreendidos também uma balança de precisão e uma prensa hidráulica, assim, foi preso em flagrante e denunciado pelo crime.
A tese dos Advogados
A defesa, representada pelos advogados Yanna Corrêa e Lucas Guedes,ambos da OAB/AM, levantaram a tese de que o investigado esteve sob investigação que, travestida de legalidade, evidenciou abuso contra o direito de liberdade por meio de buscas especulativas ou não autorizadas, com pescaria probatória ou ‘fishing expedition’, abominado pelo sistema constitucional em flagrante ofensa a inviolabilidade do domicílio.
Desta forma, por meio de denúncia anônima, sem investigações prévias e sem mandado, os policiais encontraram drogas não por acaso, mas por mero intuito, inexistindo a serendipidade ou caso fortuito que pudesse validar a operação.
A tese foi aceita, e as provas, declaradas ilícitas, derrubaram a denúncia do Promotor de Justiça que, segundo a sentença, teria usado de amostras obtidas por meios ilícitos para lastrear a acusação.
Fundamentação constitucional e nulidade absoluta
A decisão reconheceu a nulidade da apreensão da substância entorpecente, com base na violação ao artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, que protege a inviolabilidade do domicílio.
Conforme anotou a magistrada, não houve flagrante delito nem consentimento válido e voluntário do morador que justificasse o ingresso policial. Também não foi apresentado mandado judicial, elemento essencial nesses casos.
A sentença destaca que, mesmo diante de eventual suspeita de crime permanente, como o tráfico de drogas, a polícia deve requerer ao Judiciário as medidas adequadas — como mandado de busca, interceptação telefônica ou campanas autorizadas — antes de adentrar à residência do investigado. A ausência de tais providências compromete a legalidade de toda a diligência.
O Judiciário não pode legitimar práticas arbitrárias em detrimento de garantias constitucionais, definiu a magistrada
“Não vivemos num Estado Policialesco, e sim num Estado Democrático de Direito, o que implica em absoluta submissão de todos — especialmente os que exercem cargos públicos — ao império da lei e à supremacia da Constituição”.
A Juíza rememora que “a prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato”, o que não ocorreu na espécie.
Frutos da árvore envenenada: prova contaminada, processo inválido
Ao aplicar a teoria dos frutos da árvore envenenada, a sentença considerou que a droga apreendida foi obtida mediante violação constitucional e, por isso, impôs ser desentranhada do processo, nos termos do art. 157 do Código de Processo Penal. Diante da ausência de materialidade e da consequente impossibilidade de imputar autoria delitiva, o pedido formulado na denúncia foi julgado improcedente.
Além disso, a decisão destaca que, mesmo sem o reconhecimento da nulidade, a condenação não se sustentaria em razão da fragilidade das demais provas colhidas em juízo, insuficientes para vincular o acusado ao crime.
Os efeitos
Com base nos fundamentos legais e constitucionais, a sentença absolveu o réu, com fulcro nos incisos II, V e VII do art. 386 do CPP, e determinou a destruição da substância apreendida. O processo foi extinto com resolução de mérito, e o caso se encerrou com afirmação enfática da inviolabilidade de direitos fundamentais frente a excessos estatais.
Autos nº: 0633334-24.2019.8.04.0001