A União, em sentença ainda sujeita a recurso, foi condenada a, no prazo de 180 dias, deve promover a adequação de seus formulários relacionados ao cadastramento/retificação de CPF de pessoas LGBTI+. A medida visa reconhecer a multiplicidade de arranjos familiares e de identidades de gênero, bem como a condição de intersexualidade. A decisão da juíza federal Anne Karina Stipp Amador Costa, da 5ª Vara Federal de Curitiba, foi tomada em sede de Ação Civil Pública (ACP) movida por entidades de defesa da diversidade sexual e de gênero.
Segundo os autores da ACP, impõe-se salvaguardar o direito que afeta todas as famílias de parentalidade homotransafetivas, ou seja, as famílias formadas por pessoas LGBTQI+, a fim de terem sua formação familiar à luz de sua orientação sexual, identidade de gênero e condição de intersexo respeitadas pela Receita Federal do Brasil (RFB) quando do cadastramento do CPF, bem como famílias com vínculos socioafetivos.
A ação pretende adequar a atuação da RFB a fim de cadastrar pessoas pela filiação, a exemplo de outros órgãos federais, em vez do atual cadastramento que se limita ao nome da “mãe”, bem como com o respeito ao nome social, à identidade de gênero e à condição de intersexo, alegando que o órgão tem realizado o cadastramento do CPF ainda calcado em uma lógica de uma ideologia de gênero heterocisnormativa, pressupondo a existência de uma mãe no vínculo familiar, o que não ocorre, por exemplo, com crianças com dois pais.
Decisão
Em sua decisão, a magistrada frisou o reconhecimento do Supremo Tribunal Federal (STF) da união homoafetiva como núcleo familiar, impondo-se tratamento igualitário ao da união heteroafetiva.
“É flagrante o dever do Estado de reconhecer as relações homoafetivas, e consequentemente, a parentalidade homoafetiva, nos mais variados planos de atuação. Nesse sentido, a disponibilização de campos de dados permitindo a declaração de tais situações, em documentos/cadastros públicos, não representa formalismo, mas expressão de tratamento digno e isonômico, sem discriminar a orientação sexual dos indivíduos”.
“Em respeito à dignidade humana, princípio fundamental aos direitos da personalidade, de igualdade, de liberdade e de autodeterminação, a União deve adequar seus formulários relacionados ao cadastramento/retificação de CPF, observando a multiplicidade de arranjos familiares e de identidades de gênero, bem como a existência da condição de intersexualidade”, complementou Anne Karina Stipp Amador Costa.
A juíza federal destacou ainda que tais adequações já foram realizadas pela Polícia Federal e pelos Cartórios quando da lavratura da certidão de nascimento, o que evidencia a necessidade de adequação do CPF, documento que goza de centralidade e importância na vida do cidadão brasileiro.
Determinação
A União deve substituir o campo “nome da mãe” pelo campo “filiação”; incluir as opções “não especificado”, “não binário” e “intersexo”, no campo sexo; e garantir o direito de quaisquer interessados à retificação dos dados acima. Independentemente do meio de atendimento disponibilizado (internet ou presencial), o prazo estipulado é de 180 dias para adequação.
Autores da ação
A ação civil pública tramita foi movida pela Aliança Nacional LGBTI+, Grupo Dignidade, Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH), Associação Brasileira Intersexos (ABRAI), Centro de Acolhida e Cultura Casa 1, Articulação Nacional das Transgêneros (ANTRA), Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério Público Federal (MPF). Figura como Amicus Curiae a Associação Nacional de Juristas pelos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexuais (ANAJUDH).