Juiz condena Apple por prática de “desplugue da legalidade” ao vender iPhone

Juiz condena Apple por prática de “desplugue da legalidade” ao vender iPhone

O caso não trata de vício do produto (art. 26 do CDC), mas de ausência de item essencial à utilização do bem adquirido, definiu o Juiz Bruno Rafael Orsi, do Juizado Cível

O Juizado Especial Cível da Comarca de Humaitá (AM) julgou parcialmente procedente a ação ajuizada por um consumidor que adquiriu um iPhone 11 sem o carregador de energia, condenando a Apple Computer Brasil  ao pagamento de R$ 3 mil a título de danos morais, além da restituição do valor de R$ 219 correspondente ao carregador comprado separadamente.

A decisão, proferida pelo juiz Bruno Rafael Orsi em 31 de março de 2025, reconheceu que a conduta da empresa configurou prática abusiva, conhecida como “venda casada dissimulada”, em violação ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), o que corresponderia a um ‘desplugue da legalidade’.

Julgamento antecipado e rejeição da decadência
O magistrado, com base no art. 355, I do Código de Processo Civil, optou por julgar antecipadamente a lide, considerando que a matéria discutida nos autos era exclusivamente de direito, não havendo necessidade de produção de outras provas. Preliminarmente, afastou a alegação de decadência formulada pela ré, destacando que o caso não trata de vício do produto (art. 26 do CDC), mas de ausência de item essencial à utilização do bem adquirido.

A essencialidade do carregador e a vedação à venda casada
No mérito, o juiz destacou que a ausência do carregador na embalagem do aparelho celular, vendida separadamente pela mesma empresa, representa conduta abusiva vedada pelo art. 39, I do CDC, que proíbe condicionar o fornecimento de um produto à aquisição de outro, sem justa causa. Para o julgador, a justificativa da empresa — baseada em argumentos ambientais — foi esvaziada pelo próprio comportamento comercial da ré, que continuou a fabricar e vender o acessório separadamente.

Ressaltando que o carregador é item essencial para o funcionamento do telefone, o juiz observou que a prática da ré limita a liberdade de escolha do consumidor, obrigando-o a adquirir o produto acessório em momento posterior à compra do celular, configurando desequilíbrio contratual e afronta à boa-fé objetiva.

Ônus da prova e responsabilidade objetiva
Com a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, prevista no art. 6º, VIII do CDC, cabia à ré demonstrar a regularidade de sua conduta. Contudo, a empresa não produziu provas suficientes para afastar a ilicitude apontada na petição inicial. Aplicando a teoria do risco do empreendimento, adotada pelo sistema consumerista brasileiro, o magistrado reconheceu a responsabilidade objetiva da fornecedora pelo defeito na prestação do serviço (art. 14 do CDC).

Reconhecimento do dano moral in re ipsa
Além dos danos materiais, o juiz também reconheceu o direito à indenização por danos morais, justificando que houve privação de uso de bem essencial à vida cotidiana. A fundamentação se baseou na orientação consolidada de que, no contexto das relações de consumo, a violação dos direitos básicos do consumidor pode ensejar dano moral presumido (in re ipsa), independentemente de demonstração de sofrimento específico.

A fixação do valor em R$ 3 mil seguiu critérios de razoabilidade e proporcionalidade, com caráter compensatório e pedagógico, conforme doutrina de Carlos Alberto Bittar e precedentes da Turma Recursal do Amazonas.

 A sentença reforça importantes fundamentos do direito do consumidor, como a proibição de práticas abusivas, a proteção da parte vulnerável da relação de consumo, e o reconhecimento da responsabilidade objetiva dos fornecedores.  Cabe recurso da decisão.

Processo n. 0000571-04.2025.8.04.4400

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