Na seara criminal, a falta de zelo, prudência ou mesmo a omissão de um dever funcional não são suficientes, por si, para demonstração do dolo. Nesse contexto, a intenção de cometer o crime não pode ser presumida, mas sim efetivamente demonstrada, sob pena de afrontar o princípio da presunção de inocência.
Esse foi o entendimento do juiz Roberto Lemos dos Santos Filho, da 5ª Vara Federal de Santos (SP), para absolver seis réus acusados de desvio de dinheiro e dar causa à vantagem de fornecedor em contrato público.
Na denúncia, o MPF acusa, além de um fornecedor de serviços de informática, integrantes do setor jurídico da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) — atual Santos Port Authority (SPA).
O fornecedor fez três pedidos de reequilíbrio de contrato financeiro com a Codesp que foram negados. No quarto, o setor jurídico da companhia acatou os argumentos apresentados e aprovou o pleito.
Os pagamentos foram analisados pelo Tribunal de Contas da União e pela Controladoria-Geral da União que apontaram irregularidades administrativas.
O fornecedor fechou acordo de não persecução penal com o MPF, mas o testemunho não pode ser considerado no julgamento porque não foi acompanhado de provas produzidas pela acusação sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
Ao analisar o caso, o magistrado inicialmente apontou que o objetivo do julgamento não é analisar o pedido de reequilíbrio econômico-financeiro formulado pelo fornecedor, nem se o pagamento efetuado seguiu procedimentos internos da Codesp, mas sim verificar a efetiva ocorrência dos crimes pelos quais os réus foram acusados.
O juiz explica que para comprovar a existência do crime é fundamental a demonstração que eles agiram com objetivo de desviar valores da Codesp em proveito próprio ou alheio. “Não há nos autos provas a legitimar essa conclusão”, resumiu o julgador.
Ele afirma que o MPF não apresentou qualquer prova que os réus conheciam o fornecedor de serviços ou prova de comunicação pessoal entre eles.
“O Ministério Público Federal não produziu prova alguma durante a instrução, sequer arrolou testemunhas. Ao que parece, o órgão de acusação ouvidou-se do comando contido no art. 155 do Código de Processo Penal, que veda ao julgador fundamentar decisão exclusivamente em elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”, registrou.
Por fim, o juiz afirmou que ao contrário do alegado pela acusação, os pareceres se pautaram na lei, na doutrina e em precedentes jurisprudenciais ao aprovar o pagamento.
“Portanto, sob a perspectiva jurídica, os fundamentos que justificaram a recomendação emanada pela superintendência jurídica da CODESP não eram desarrazoados de modo a evidenciar flagrante dolo de lesar a companhia”, finalizou ao absolver os acusados.
Leia a decisão
Processo 5005665-10.2020.4.03.6104
Com informações do Conjur