O Ministério Público Federal (MPF) se manifestou a favor da manutenção de sentença que obriga a Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern) a fornecer água potável aos moradores de Patu (RN). Em recurso a ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a companhia estatal questiona suposta interferência do Poder Judiciário sobre atos do Poder Executivo, considerando que o abastecimento de água potável na região demandaria obras públicas e despesas, sem previsão orçamentária.
De acordo com a Caern, o Judiciário não pode exigir que a concessionária realize uma obra pública às próprias custas e sem contrato de programa ou concessão celebrado com o município. Além disso, alega que não tem meios de dispor da quantia necessária no prazo estipulado na sentença e que alocar recursos da empresa, por medida judicial, sem planejamento prévio consistiria em violação ao princípio da eficiência.
No parecer contra o recurso da Caern, o MPF cita jurisprudência do STF no sentido de que o Judiciário pode, em situações excepcionais, determinar que a Administração pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação dos Poderes. O MPF ressalta que, no caso em julgamento, há risco de violação a direitos fundamentais, por se tratar da saúde básica de cidadãos, adultos e crianças, sem acesso à água tratada pelo Estado.
Ao se manifestar, o órgão ministerial também concorda, com a Justiça Federal, que é evidente a responsabilidade da concessionária e do município pela adequada prestação do serviço público essencial de abastecimento de água portável. Conforme a legislação, o serviço deveria ser ofertado de modo regular, contínuo e sem interrupção. Assim, diante da inércia, o Judiciário deve intervir para garantir os direitos da população.
O MPF esclarece que não desconsidera a necessidade de um olhar mais acurado sobre os custos econômicos das decisões judiciais e seus impactos orçamentários e, mesmo no poder discricionário da Administração pública, de estabelecer suas prioridades e cronogramas. Como afirma no parecer, “a existência de demandas infinitas e recursos escassos tem atraído reflexões e requerido aprofundamento”. No entanto, o caso traz hipótese de determinação de abastecimento de água potável a comunidades inteiras.
Para a instituição, “apesar do poder discricionário da Administração pública, outros valores estão em voga, como a própria saúde dessas comunidades”. Dessa forma, o MPF conclui, no parecer, que não há interferência indevida de um Poder em outro, de modo a configurar violação do princípio da separação dos Poderes da República.
Entenda o caso – O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte ajuizou ação civil pública para que o município de Patu e a Caern assegurem o abastecimento de água potável a moradores de algumas regiões da cidade. A decisão foi favorável ao MP e a sentença fixou prazo de um ano para o cumprimento da obrigação, sob pena de multa de R$ 10 mil por mês.
O entendimento da Justiça estadual, em primeira e segunda instâncias, foi de que o Poder Judiciário pode intervir na implementação de políticas públicas que assegurem direitos constitucionais sempre que houver inércia injustificada dos Poderes competentes. Com fundamento na Constituição, os juízos ressaltaram que cabe aos municípios organizar e prestar os serviços públicos de interesse local e que eles são responsáveis por executar a política de desenvolvimento urbano, a fim de se garantir o bem-estar da população.
A Justiça também refutou que a falta de recursos ou de contrato municipal, bem como as secas típicas da região, não podem justificar, como foi alegado, a falta de abastecimento regular de água. E esclareceu, ainda, que o direito de acesso à água potável é um desdobramento dos direitosconstitucionais à vida digna e à saúde.
Com informações do MPF