“A troca de um abraço afetuoso ou carícias entre duas pessoas do mesmo sexo jamais poderia ter gerado qualquer confusão para justificar a abordagem pelo funcionário do estabelecimento comercial.” Essa observação consta do acórdão da 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que negou, por unanimidade, provimento ao recurso de apelação de um restaurante contra a sentença que o condenou a indenizar duas irmãs em R$ 5 mil, cada uma, por dano moral.
Ainda que as autoras (de 31 e 19 anos de idade) formassem um casal, esse fato não autorizaria a abordagem de cunho homofóbico feita pelo subgerente do estabelecimento, localizado em João Pessoa, conforme destacou o desembargador Sergio Alfieri, relator da matéria: “As apeladas somente deveriam ter sido abordadas se fosse para oferecer alguma ajuda, pois não havia justificativa para que se retirassem, mas essa hipótese sequer foi cogitada pela apelante”.
Embora o restaurante não tenha admitido a real intenção do seu preposto ao interpelar as clientes, o relator anotou que prova alguma foi produzida para sustentar a tese defensiva. “A partir do momento em que solicitou que as clientes se retirassem do ambiente (fato não impugnado), atraiu para si o ônus de comprovar a licitude de sua conduta, mas não se desvencilhou desse encargo”. Sequer a informação de que as autoras são irmãs modificou, naquela ocasião, o modo de proceder do subgerente.
“Um pedido de desculpas pelo comportamento inadequado/inconveniente, para dizer o mínimo, poderia ter amenizado a situação, ainda que não excluísse a ilicitude, o que também não ocorreu”, assinalou Alfieri. Ao contrário, acrescentou o julgador, o funcionário insistiu para que as apeladas fossem embora, “externando comportamento preconceituoso/discriminatório com a suposta orientação sexual das irmãs”. Os desembargadores Dario Gayoso e Alfredo Attié acompanharam o relator.
Dano moral
Segundo o colegiado, no caso dos autos, o dano moral é presumido (in re ipsa), pois deriva do próprio fato. O acórdão apontou “falha na prestação dos serviços” do restaurante e o consequente dever de indenizar, porque as irmãs foram submetidas a situação constrangedora. “Indiscutível que os fatos interferiram no estado psicológico das apeladas, causando-lhes sofrimento, frustração, revolta e angústia, e não mero aborrecimento e dissabor do cotidiano”.
Quanto ao valor da indenização fixado na sentença do juiz Guilherme Martins Damini, da Comarca de Caconde (SP), o colegiado também o manteve, por não considerá-lo exagerado e nem insignificante, estando ainda a quantia em conformidade com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. O estabelecimento também deverá arcar com as despesas processuais e os honorários advocatícios, elevados de 10% para 12% do montante da condenação.
De acordo com a sentença de primeiro grau, cuja fundamentação foi adotada pelo colegiado do TJ-SP, o dano extrapatrimonial é patente. “A abordagem discriminatória, feita de maneira discreta ou não, por si só fere a dignidade e a honra do ofendido. Mostrou-se, pois, claramente ofensiva e preconceituosa a postura adotada pelo preposto do requerido, mesmo que diante de suposta orientação sexual das autoras, em claro desrespeito ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.”
A petição inicial narra que as irmãs foram almoçar com os pais no restaurante, localizado na capital paraibana, em 26 de agosto de 2022. Em dado momento, elas se dirigiram ao banheiro e, na volta, pararam em outro ponto do estabelecimento para conversar sobre um assunto de família. Nesse momento, a autora mais nova começou a chorar e a outra a consolou, abraçando-a e segurando a mão dela por alguns minutos. Isso foi o suficiente para a investida homofóbica do subgerente, fazendo do local um “palco de humilhação”.
O restaurante alegou no recurso que não compactua com homofobia, negou qualquer ato preconceituoso por parte do seu preposto, que apenas teria se equivocado, e atribuiu o ocorrido à “situação emocional” das apeladas. “Um abraço entre duas irmãs foi confundido com uma troca de carícias entre duas pessoas num relacionamento afetivo, independentemente do sexo das pessoas, porém, isto não tem condão de justificar uma indenização por danos morais”, sustentou o estabelecimento.
Processo 1001875-04.2022.8.26.0103
Com informações do Conjur