Conquanto haja previsão de que a prestação de serviços da justiça exija o pagamento de despesas, o juiz não deve olhar com severidade quando há a pretensão pelo autor do acesso à justiça gratuita. Há necessidade de uma ponderação sobre pedidos de tais natureza, mormente ante a crise inflacionária que marca o país. No caso examinado se pode extrair dos autos que o autor era pessoa de escassos recursos, à viver com aposentadoria de valores ínfimos. Mas, em primeiro grau, o juiz cancelou a petição inicial por falta de pagamento. O Tribunal do Amazonas, ao dar provimento ao recurso, reformou a sentença e determinou o revigoramento da ação.
Neste ponto tem uso o princípio do acesso à justiça em compasso com a previsão da gratuidade de atos processuais que possam se materializar com a autodeclaração do interessado pela simples menção de que não pode suportar as despesas do processo, mormente num país cuja inflação cada vez, no dia a dia, afronta sensivelmente o poder aquisitivo do trabalhador. A conclusão está assente em decisão do Desembargador Abraham Peixoto Campos Filho, do TJAM, ao conduzir voto condutor em recurso de apelação.
Um dos fundamentos da justiça gratuita confunde-se com o próprio direito da pessoa de acesso ao Judiciário. Sendo indeferido um pedido de gratuidade da justiça, pelo juiz, apenas porque o interessado não se desincumbiu de atender ao comando judicial que determinou a juntada, para comprovação da hipossuficiência, de extratos de cartão de crédito, a omissão do autor não justifica a extinção do processo, com o cancelamento da distribuição, especialmente quando, na petição inaugural, o autor se declarou pobre, enfatizou o Desembargador.
“No caso, restou demonstrada situação de pobreza do autor, cuja presunção de hipossuficiência financeira milita, com relevância, em seu favor, notadamente por residir em bairro de baixa renda, bem como a ausência do contato de trabalho registrado em Carteira de Trabalho e Previdência Social”, firma trecho da decisão em segundo grau.
O juízo recorrido havia adotado o raciocínio de que o autor foi, por ele, intimado a comprovar a necessidade de concessão da gratuidade da justiça, ou, em igual prazo, promovesse o recolhimento das custas iniciais. A parte autora não apresentou os documentos exigidos e tampouco pagou as custas. Sobreveio o recurso, e a sentença foi reformada.
Leia o acórdão:
Apelação Cível nº 0600909-36.2022.8.04.0001. Relator(a): Abraham Peixoto Campos Filho. Comarca: Manaus. Órgão julgador: Terceira Câmara Cível. Data do julgamento: 27/03/2023. Data de publicação: 27/03/2023. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C DANOS MORAIS. PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA. POSSIBILIDADE. DETERMINAÇÃO DE JUNTADA DE DOCUMENTOS. CUMPRIMENTO PARCIAL DO COMANDO JUDICIAL. CANCELAMENTO INDEVIDO DA DISTRIBUIÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. – Pessoa física que requer o benefício da justiça gratuita, em regra, não precisa demonstrar ser hipossuficiente, presumindo tal situação por simples declaração. Contudo, essa presunção não é absoluta, podendo o juiz determinar que parte junte documentos para que comprove sua miserabilidade financeira; – Em que pese a parte autora não apresentar a totalidade de documentos exigidos, esta demonstrou sua hipossuficiência com os documentos juntados. Isso porque, conforme se verifica no seu histórico de créditos do INSS, o Apelante, pessoa já idosa, sobrevive com uma aposentadoria cujo valor é significativamente menor que um salário mínimo. Ademais, analisando seus extratos bancários, constata-se que o mesmo não possui reserva financeira, vivendo sempre no limite de seus ganhos. Logo, diante da atual realidade econômica do Brasil com aumento considerável da inflação, o deferimento da justiça gratuita ao autor é medida que se impõe; – Recurso conhecido e provido