Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a mera apreensão de drogas em via pública não configura justa causa para o ingresso de policiais no domicílio do suspeito. Não é possível, apenas com base nisso, presumir a existência de mais objetos ilícitos dentro da residência.
Assim, o ministro Rogerio Schietti Cruz, do STJ, anulou provas obtidas dentro da casa de um homem e revogou a prisão preventiva e as medidas cautelares anteriormente aplicadas.
A Polícia Militar abordou o homem devido a denúncias anônimas sobre venda de drogas e ao nervosismo apresentado ao avistar a viatura. Os agentes encontraram quatro pedras de crack com ele.
Em seguida, segundo os policiais, o homem confessou ter mais drogas em sua casa, conduziu os agentes ao local, autorizou a entrada no imóvel e apontou os locais onde estavam os entorpecentes.
Lá, foram encontradas uma barra de maconha, quatro tabletes menores da mesma droga, quatro pedras brutas de crack, outras 50 pedras de crack embaladas em plástico transparente, dez invólucros plásticos embalados prontos para consumo de cocaína, uma balança de precisão e sacolés usados para embalo de drogas.
O homem foi preso em flagrante. A prisão foi convertida em preventiva e ele foi denunciado por tráfico de drogas.
A defesa pediu o trancamento do processo e a soltura do réu, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve a ação e a prisão, por considerar que as provas eram lícitas. Com isso, o caso foi levado ao STJ.
Fundamentação da decisão
Em sua decisão, Schietti entendeu que a busca pessoal foi “precedida de fundada suspeita da posse de corpo de delito”, mas invalidou a busca domiciliar”.
Ele lembrou de decisão de 2021 na qual a 6ª Turma do STJ estipulou requisitos para o ingresso de policiais em domicílio. Conforme o precedente, a investida deve ser registrada em áudio e vídeo. Além disso, a permissão do morador para a entrada dos agentes no imóvel deve ser registrada, sempre que possível, por escrito.
Para o magistrado, “soa completamente inverossímil a versão policial” de que o acusado teria revelado a existência de mais drogas em casa e convidado os agentes a irem até lá.
“Um mínimo de vivência e de bom senso sugerem a falta de credibilidade de tal versão. Pelas circunstâncias em que ocorreram os fatos — réu já detido, quantidade de policiais, todos armados etc. —, não se mostra crível a voluntariedade e a liberdade para consentir no ingresso”, assinalou.
O ministro ressaltou que “o senso comum e as regras de experiência merecem ser considerados quando tudo indica não ser crível a versão oficial apresentada, máxime quando interfere em direitos fundamentais do indivíduo e quando se nota um indisfarçável desejo de se criar uma narrativa amparadora de uma versão que confira plena legalidade à ação estatal”.
Para Schietti, era função dos policiais demonstrar o consentimento do morador ou a clara situação de comércio de drogas dentro da residência.
Apesar de reconhecer a ilegalidade da invasão, o ministro não trancou o processo, já que quatro pedras de crack foram encontradas com o homem antes do ingresso em sua casa.
Mesmo assim, ele permitiu que o homem responda ao processo em liberdade, já que é primário e tem bons antecedentes.
“A apreensão de drogas ilícitas com o cidadão em via pública não autoriza a invasão do seu domicílio sem mandado judicial de busca e apreensão, afinal, não se pode presumir a existência de entorpecentes dentro da sua residência”, indica o advogado criminalista Raphael H. Dutra Rigueira, responsável pela defesa.
“Concomitantemente, há que se ressaltar também que a apreensão de entorpecentes e balança de precisão dentro da residência do cidadão, indubitavelmente, não convalida a ilegalidade da obtenção de provas mediante a famigerada invasão de domicílio”, completa.
Com informações Conjur