Em alienação fiduciária de bem imóvel não é dado ao comprador rescindir o contrato e reaver parte dos valores pagos, na razão de haver a obrigatoriedade de uso de legislação específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, ao contrato de compra e venda de imóvel com cláusula de alienação fiduciária em garantia.
Com essa disposição, a Desembargadora Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura, do TJAM, relatou recurso de apelação e negou ao recorrente reforma da sentença combatida. Nos casos que versam sobre alienação fiduciária de bem imóvel, não se permite a rescisão unilateral pelo comprador, tampouco se contempla a restituição de parte dos valores pagos, haja vista a peculiaridade do ajuste envolver a transferência da propriedade a terceiro para efeito de garantia.
No caso examinado o autor pretendeu aplicação de dispositivo da lei do consumidor, cuja previsão é a de que “nos contratos de alienação fiduciária em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do imóvel alienado”. Ocorre que o dispositivo já sofreu interpretação do próprio Superior Tribunal de Justiça.
Ante critérios de especialidade e de cronologia, devem prevalecer as disposições da Lei 9.514/1997 frente às disposições do Código do Consumidor. Em relação à aplicação do Código do Consumidor à hipótese de venda de imóvel com alienação fiduciária em garantia, deve ser prestigiado o entendimento de que, em havendo inadimplemento do devedor, a quitação da dívida deve se dar na forma dos artigos 26 e 27 da Lei 9.514/1997 — por se tratar de norma posterior e especial —, afastando-se a aplicação da regra genérica e anterior prevista no artigo 53 do Código do Consumidor.
“A ideia é que não seria dado ao comprador simplesmente rescindir o contrato e reaver parte do que pagou, porque a propriedade objeto do negócio jurídico, em verdade, até a quitação da dívida, não lhe pertence, mas sim ao terceiro garantidor, que já adiantou ao vendedor o preço do imóvel sob a legítima expectativa de reaver o montante emprestado, com juros, do comprador no futuro”.
Processo: 0643279-06.2017.8.04.0001
Leia a ementa:
Apelação Cível / Rescisão do contrato e devolução do dinheiroRelator(a): Maria do Perpétuo Socorro Guedes MouraComarca: ManausÓrgão julgador: Segunda Câmara CívelData do julgamento: 19/02/2024Data de publicação: 19/02/2024Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL. SENTENÇA INCOMPATÍVEL COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE E DO STJ. INCIDÊNCIA DA LEI N. 9.514/97. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RECURSO ADESIVO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. NECESSIDADE DE PROVA DA HIPOSSUFICIÊNCIA