A Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal 3ª Região (TRF3) manteve decisão que decretou a quebra de sigilo telemático e determinou a Google Brasil Internet Ltda o fornecimento de dados destinados a investigação criminal para apurar a prática de racismo durante a transmissão de um programa na internet.
Para os magistrados, a atividade de comunicação investigada ocorreu em território nacional, devendo se submeter à disciplina da jurisdição brasileira, segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do próprio TRF3.
A 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP havia determinado à empresa Google que fornecesse os dados cadastrais para apuração criminal, assim como o endereço IP vinculado a um usuário da plataforma “Twitch” que, no dia 26 de janeiro de 2021, teria proferido comentários racistas durante transmissão do programa “Marca Página”, então disponibilizado pelo canal “Omelete”.
A “big tech” norte-americana e suas filiais brasileira e europeia entraram com mandado de segurança no TRF3 e requereram a anulação da decisão de primeiro grau. Sustentaram que o endereço eletrônico requisitado era acessado no Espaço Econômico Europeu (EEE), sob a custódia de dados da Google Ireland, constituída segundo as leis irlandesas e sujeita ao Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia.
Alegaram ainda que houve equívoco quanto à adoção da premissa de que o Marco Civil da Internet autorizaria a requisição direta de dados.
Em decisão monocrática, o relator do processo, desembargador federal Hélio Nogueira, havia indeferido o pedido de tutela de urgência mantendo as impetrantes obrigadas a executar a quebra de sigilo telemático e a pagar multa diária de R$ 5 mil na hipótese de descumprimento.
Ao analisar o recurso, o colegiado manteve a decisão monocrática. “O Brasil possui jurisdição sobre fatos relacionados a comunicações eletrônicas cujos registros tenham sido objeto de coleta, armazenamento, guarda ou tratamento em território nacional, não sendo admissível que a mera opção empresarial de transferir o armazenamento de dados para Estados estrangeiros, com legislações mais protetivas, constitua fundamento suficiente a amparar a recusa em atender a ordens judiciais brasileiras”, destacou o relator.
O magistrado ressaltou entendimento do STF no sentido de que a cooperação jurídica internacional não constitui via exclusiva para obtenção de dados eletrônicos armazenados em Estado estrangeiro quando há vínculos das informações com o Brasil.
“O Supremo declarou também a constitucionalidade da requisição direta de dados de provedores de aplicações de internet sediados no exterior, por parte do Judiciário brasileiro, com base no artigo 11 do Marco Civil da Internet e no artigo 18 da Convenção de Budapeste sobre Crime Cibernético, por força dos princípios da soberania e da independência nacional”, disse.
Por fim, o colegiado considerou legal a aplicação de multa por descumprimento da decisão judicial que determinou a quebra de sigilo de dados telemáticos necessários ao esclarecimento da investigação criminal, observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
“Mostra-se cabível a imposição de multa cominatória, com fulcro nos artigos 536, parágrafo 1º, e 537, ambos do Código de Processo Civil, cujas normas são subsidiariamente aplicáveis ao processo penal, por força do disposto no artigo 3º do Código de Processo Penal”, concluiu.
Assim, a Décima Primeira Turma negou a concessão do mandado de segurança e julgou prejudicado o agravo interno.
O caso
No dia 26 de janeiro de 2021, um usuário da plataforma “Twitch”, serviço de transmissão ao vivo interativo para conteúdos de entretenimento, identificado como “abacate12345qaw”, teria proferido comentários racistas durante transmissão do programa “Marca Página”, então disponibilizado pelo canal “Omelete”. As suas declarações teriam sido expostas no espaço destinado ao “chat” dos usuários.
No decorrer das investigações, foram prestadas informações cadastrais pela “Amazon Web Services” e “Amazon Serviços de Varejo do Brasil”, do grupo proprietário da plataforma “Twitch”, por meio das quais foi possível apurar que o IP utilizado para conexão pelo referido usuário seria proveniente de Lisboa (Portugal), bem como identificar o e-mail utilizado para cadastro na plataforma.
Foi então determinado à empresa Google que fornecesse os dados cadastrais do usuário, assim como o IP vinculado à sua criação e os IPs vinculados ao último acesso à respectiva conta, tendo em vista que o investigado teria utilizado as credenciais da sua conta Google para ingressar na transmissão ao vivo realizada no Brasil.
A Justiça Federal de São Paulo concluiu que a atividade de comunicação investigada ocorreu em território nacional, estando sujeita à jurisdição brasileira.
Mandado de Segurança Criminal 5033520-35.2023.4.03.0000