O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, discutiram neste sábado (14/10) a relação entre o Judiciário e o Legislativo e os limites de cada poder, para que não haja atropelo.
A conversa ocorreu no segundo dia do Fórum Esfera Internacional, em Paris, na França, no momento em que o Congresso discute uma série de medidas para limitar os poderes do Supremo. Entre elas, a imposição de um mandato para o cargo de ministro do STF, o aumento da idade mínima para nomeação de ministros, e a possibilidade de o Congresso derrubar decisões do Tribunal.
Gilmar defendeu o STF de acusações de que a Corte estaria legislando em atropelo ao Legislativo. Ele lembrou que o tribunal só atua mediante provocação e que a Constituição prevê a possibilidade de o tribunal declarar omissão inconstitucional do Legislativo quanto a temas sobre os quais o Congresso nunca legislou.
“A Constituição previu que o Tribunal teria uma atuação marcante no que concerne à omissão inconstitucional. E esse é um espaço de que se tem servido o tribunal. Não há uma banca na frente do STF pedindo causas. Nós somos provocados por órgãos, partidos políticos, governadores e sociedade civil”, disse o ministro.
Além da argumentação citada por Gilmar, cabe lembrar que o Congresso criou comissão para tratar da regulamentação de mais de 100 dispositivos da Constituição em 2013 e até hoje não apresentou relatório. Foi o constituinte que previu para o STF o papel de regulamentar direitos previstos na Carta Magna e aos quais o cidadão não tem acesso por inércia do Congresso.
O ministro ponderou, no entanto, que é preciso discutir até que ponto se deve naturalizar o ajuizamento de ações por parte de parlamentares que, isoladamente, não têm poder de articulação no Congresso e provocam o Supremo depois de ficarem vencidos no Câmara ou no Senado.
“Um representante no Congresso pode fazer uma ADI. Ele não pode articular uma boa imposição no Congresso, mas pode provocar o controle abstrato de normas. O acesso é muito fácil e se faz de forma direta. Encerrada a discussão no Congresso, o caso vem ao Supremo. E isso vale não só para leis, mas também para emendas constitucionais”, pontuou.
O ministro, entretanto, pontuou que o Supremo teve atuação relevante nos últimos anos para definir temas de relevância pública. Citou, por exemplo, as decisões que autorizaram estados e municípios a importar vacinas contra a Covid-19. Também disse que a política voltou a ter autonomia no Brasil graças ao STF.
“Se a política voltou a ter autonomia, gostaria que se fizesse justiça, isso foi graças ao Supremo Tribunal Federal. Se hoje tivemos a eleição do presidente Lula, isso foi graças ao Supremo Tribunal Federal. Vamos travar a luta contra o poder absoluto, mas também a luta contra o esquecimento. Se a política deixou de ser judicializada e criminalizada, isso se deve ao Supremo Tribunal Federal”, disse.
O ministro destacou, por fim, que o próprio Legislativo de hoje tem muito mais força do que que antes e que tem a impressão de que se caminha para um modelo semipresidencialista. Parte desse poder se dá pela influência do Congresso no Orçamento por meio de emendas.
“Dá-se a impressão que estamos construindo um modelo de semipresidencialismo, em que uma parte do poder transpassa-se para o Legislativo. E daí vem minha tese inicial: se temos pontos de reforma, comecemos por onde temos maiores distorções e vamos apontar isso.”
“Sem retaliação”
Pacheco afirmou que, a despeito das alterações discutidas no Congresso, não há “nenhum tipo de perspectiva de retaliação, enfrentamento ou guerra com o STF”. O que se está em discussão, afirmou, é a necessidade de recalibrar as atribuições de cada poder.
“Não há que se admitir qualquer tipo de revisão pelo legislativo de decisões judiciais, como não há a mínima possibilidade de se permitir ao Supremo Tribunal Federal ou qualquer instância do Judiciário que formate as regras e leis do país, porque isso cabe ao Legislativo brasileiro”, disse.
Uma ideia possível para isso, afirmou, é a de limitar o acesso ao Supremo, para evitar que o tribunal tenha um “ponto de contato constante com a sociedade em função de decisões”, e passe a ter uma atuação mais focada em casos de “índole constitucional”.
“Não há, de nossa parte, nenhum tipo de perspectiva de retaliação. Isso não significa que nós estejamos inertes a modificações que possam ser úteis à credibilidade e ao aprimoramento de todos os poderes, inclusive do próprio Judiciário.”
Para Bruno Dantas, presidente do TCU, o Brasil passou por uma série de crises nos últimos 10 anos e agora está havendo um “processo natural de acomodação após um grande trauma”.
“É lógico que em um novo período as coisas vão se acomodar naturalmente. Entretanto, o que penso que estamos agora enxergando é que o passado não é tão distante assim. Então a acomodação pode ser que leve um tempo. O Supremo julga 20 mil casos por ano e é claro que em algum momento haverá tensão institucional”, disse.
Segundo ele, o Supremo não é “o problema do Brasil”. Ao mesmo tempo, afirmou, o Congresso “tem o direito de debater reformas” que impactem o Judiciário, mas também sobre a atuação do próprio Legislativo.
” É preciso, por exemplo, que se pense numa forma de dar alguma funcionalidade ao que se criou de participação do Congresso na gestão pública. Acabamos vivendo um semipresidencialismo sem a responsabilidade do semipresidencialismo. E isso cria problemas e causa disfunções. É preciso calibrar todas as instituições.”
O fórum ocorre em Paris entre os dias 12 e 14 de outubro. Conta também com a presença de Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, ministro aposentado da corte, Pierpaolo Cruz Bottini, advogado criminalista, e Marcus Vinícius Coêlho, membro honorário vitalício da Ordem dos Advogados do Brasil.
Com informações do Conjur