O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu, sexta-feira (1/10), liminar para conferir interpretação conforme à Constituição ao inciso II do artigo 12 da Lei 8.429/1992, estabelecendo que a sanção de suspensão de direitos políticos não se aplica a atos de improbidade administrativa culposos que causem danos ao Erário.
Além disso, Gilmar sustou a vigência da expressão “suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos” do inciso III do artigo 12 da mesma lei. Dessa forma, quem for condenado por ato de improbidade administrativa que atente contra os princípios da administração pública não estará sujeito a essa sanção. A decisão tem efeitos para as eleições de 2022.
O Partido Socialista Brasileiro (PSB) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra os incisos II e III do artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992). Esses dispositivos estabelecem que, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, o responsável pelo ato de improbidade está sujeito, entre outras coisas, à suspensão dos direitos políticos.
O partido alegou que os dispositivos impugnados, ao permitirem a aplicação da penalidade de suspensão dos direitos políticos a todo ato de improbidade administrativa, independentemente da gravidade ou do elemento subjetivo da conduta, contrariam a proporcionalidade prevista na Constituição.
O PSB defendeu que apenas atos de improbidade revestidos de grave reprovabilidade, como condutas dolosas que implicassem danos ao erário ou enriquecimento ilícito, comportariam a aplicação da penalidade de suspensão de direitos políticos
Em sua decisão, Gilmar Mendes afirmou que o artigo 15 da Constituição posicionou atos de improbidade no mesmo patamar de condenações criminais transitadas em julgado: ambas são causas de suspensão dos direitos políticos.
Porém, ele ressaltou que tal dispositivo constitucional consiste em norma restritiva de direitos fundamentais. E, como tal, deve ser interpretada, de forma que a suspensão de direitos políticos constitui exceção no ordenamento.
Nesse sentido, o artigo 15 prevê que a suspensão de direitos políticos “só se dará nos casos de (…) improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, parágrafo 4º”. Esse dispositivo, por sua vez, prevê que as penalidades aplicáveis aos agentes responsáveis por atos de improbidade administrativa, dentre elas expressamente a suspensão dos direitos políticos, devem ser aplicadas “na forma e gradação previstas em lei”.
Segundo Gilmar Mendes, a Lei de Improbidade Administrativa graduou os atos que importam enriquecimento ilícito de acordo com o aspecto temporal da sanção de suspensão dos direitos políticos — atos que importam enriquecimento ilícito, 8 a 10 anos; atos, dolosos ou culposos, que ensejam prejuízo ao Erário, 5 a 8 anos; atos que ofendem princípios da administração pública, 3 a 5 anos.
O questionamento posto nesta ação direta, portanto, é se a gradação implementada pelo legislador ordinário é compatível com o princípio da proporcionalidade, sustentou,
Análise de proporcionalidade
Para a aferição da proporcionalidade da medida legislativa, destacou o ministro, deve-se averiguar se tal medida é adequada e necessária para atingir os objetivos perseguidos pelo legislador, e se ela é proporcional (em sentido estrito) ao grau de afetação do direito fundamental restringido.
Ele observou que as duas situações objeto desta ação são menos graves do que os demais atos de improbidade. Tem-se condutas culposas que resultam em danos ao erário e atos que, embora dolosos, afiguram-se residuais e são tratados pelo próprio diploma de forma mais branda.
“A reprovabilidade dessas condutas, quando analisada à luz dos parâmetros constitucionais descortinados, não se mostra elevada a ponto de justificar a supressão dos direitos políticos”, disse Gilmar.
Sendo assim, para o julgador, as normas impugnadas sequer superam a etapa da necessidade, uma vez que a legislação dispõe de outros meios eficazes e menos restritivos aos direitos fundamentais para repreender suficientemente condutas culposas que impliquem prejuízo ao erário e atos ímprobos dolosos que não resultam em enriquecimento ilícito.
A norma também não supera o exame da proporcionalidade em sentido estrito, considerado o grau de afetação dos direitos políticos do cidadão. A tutela do Erário e da probidade administrativa não justifica, nos casos de atos de improbidade culposos e das condutas elencadas no artigo 11 da Lei 8.429/1992, a supressão dos direitos fundamentais do cidadão relativos à participação política.
“Portanto, em análise preliminar típica das tutelas provisórias de urgência, o cotejo das condutas em tela com a gravidade da sanção de suspensão dos direitos políticos, à luz dos critérios fornecidos pelos artigos 15 e 37 da Constituição Federal, realça a desproporcionalidade da medida legislativa”, concluiu Gilmar Mendes.
Decisão histórica
Para o advogado Rafael Carneiro, que representa o PSB na ação, a decisão do ministro Gilmar Mendes é uma das mais relevantes na história da proteção da cidadania e dos direitos políticos. Como direitos fundamentais, os direitos políticos somente podem ser suspensos por atos graves, e não por qualquer falha administrativa, como estabelecia a lei de forma desproporcional.
“A decisão do ministro decano corrige ainda uma contradição que existia no sistema jurídico brasileiro: o cidadão podia ser candidato pela Lei da Ficha Limpa, mas não podia exercer o mandato pela Lei de Improbidade Administrativa. Isso vinha gerando um caos na gestão pública, quando o candidato eleito era impedido de exercer o cargo, o que deixava vários governos locais em uma espécie de limbo”, ressaltou.
Fonte: Conjur