Com base no entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) de que é cabível a celebração de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) em processos em andamento na data de entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, mesmo na ausência de confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido apresentado antes do trânsito em julgado da condenação, o Ministro Gilmar Mendes, do STF, acolheu uma Reclamação contra ato da 12ª Circunscrição Judiciária Militar em Manaus.
Com a decisão, o Ministro determinou que o Ministério Público Militar (MPM) apresente proposta de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) a militares da Aeronáutica acusados de uso de documento falso.
Os reclamantes foram denunciados pelo Ministério Público Militar por participação em um processo seletivo para Cabos e Soldados do Comando da Aeronáutica, em Manaus/AM, em 2017. A denúncia foi recebida em 2019, antes da vigência da Lei nº 13.964/2019, que introduziu o ANPP no ordenamento jurídico brasileiro. Apesar de terem sido afastados da corporação após a descoberta dos fatos, o caso permaneceu sob a competência da Justiça Militar Federal.
Após a instrução criminal, os réus foram condenados em 2023 a dois anos de reclusão, com direito à suspensão condicional da pena. A Defensoria Pública da União (DPU) apelou da decisão e, em paralelo, visando cessar os efeitos da sentença, impetrou um habeas corpus no STF, requerendo a nulidade dos atos processuais e a análise pelo MPM da possibilidade de celebração de ANPP.
No HC, a DPU argumentou que o ANPP seria aplicável na esfera da Justiça Militar na primeira oportunidade de manifestação da defesa após a entrada em vigor do art. 28-A do Código de Processo Penal (CPP), em janeiro de 2020, conforme entendimento fixado pelo STF. A DPU ressaltou que a recusa do Ministério Público em oferecer o acordo violava tal entendimento.
O Ministro Gilmar Mendes concedeu a ordem de habeas corpus para suspender o processo e eventual execução da pena até que o órgão acusatório se manifestasse, de forma motivada, sobre a viabilidade da proposta do ANPP, observando os requisitos previstos no art. 28-A, § 14, do CPP.
Na Reclamação Constitucional, a DPU sustentou que o MPM havia recusado a proposta sob o argumento de que os reclamantes não haviam solicitado o acordo na primeira oportunidade de intervenção nos autos, posição que teria sido referendada pela 12ª Circunscrição Judiciária Militar. Inicialmente, Gilmar Mendes considerou que a ordem havia sido cumprida, uma vez que o juízo militar intimou o Procurador Militar para se manifestar sobre o ANPP.
A DPU, discordando da posição inicial de Gilmar, interpôs agravo em Reclamação Constitucional, alegando que o MPM deveria ter se oposto ao direito sobre essa proposta durante o curso do habeas corpus. Afinal, o Ministério Público é uno e indivisível e, nesse contexto, argumentou a DPU, a liminar do Ministro, determinando que o Ministério Publico apreciasse o cabimento da proposta, fora confirmada e havia transitado em julgado, sem que a Procuradoria da República fosse contra a medida.
A DPU também destacou que, no caso, caberia ao Juízo Militar remeter os autos ao Procurador-Geral da República, em vez de homologar a recusa, o que configurou afronta ao direito dos reclamantes.
O Ministro Gilmar Mendes concordou com os argumentos apresentados, reafirmando que compete ao membro do Ministério Público oficiante avaliar os requisitos para a celebração do ANPP, de forma motivada e no exercício de seu poder-dever, sem prejuízo dos controles jurisdicional e interno.
O Ministro destacou ainda a decisão do STF no HC 185.913/DF, de 10 de setembro de 2024, que estabeleceu que, em processos penais em andamento, é obrigatória a manifestação motivada do Ministério Público sobre o cabimento do ANPP na primeira oportunidade em que se manifestar nos autos, seja de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do juiz da causa.
Com base nesses fundamentos, o Ministro Gilmar Mendes julgou procedente a reclamação e determinou que o Ministério Público Militar realize a proposta do Acordo de Não Persecução Penal, nos termos já estabelecidos pela legislação e pela jurisprudência do STF.
RCL 64753 AGR / AM