A existência de boletim de ocorrência, inquérito policial ou termo circunstanciado de ocorrência, ou a simples instauração de ação penal, não podem implicar, em fase de investigação social, a eliminação de candidato da disputa por vaga em concurso público.
Ao reafirmar a jurisprudência sobre a matéria, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso de um candidato para reverter a sua exclusão de concurso público para policial civil de Mato Grosso do Sul, decorrente da existência de oito inquéritos policiais e uma ação penal contra ele.
A comissão examinadora do certame considerou que o candidato havia praticado atos tipificados como ilícitos penais e que implicavam repercussão social de caráter negativo ou comprometiam a função de segurança e de confiabilidade da instituição policial – condutas aptas à eliminação, conforme o edital do concurso.
Princípio da presunção de inocência
Autor do voto que prevaleceu, o ministro Mauro Campbell Marques lembrou que a jurisprudência sobre o tema é no sentido de que apenas as condenações penais com trânsito em julgado são capazes de constituir óbice a que um cidadão ingresse, mediante concurso público, nos quadros funcionais do Estado.
Segundo o ministro, em nenhuma hipótese se admite que “meros boletins de ocorrência, inquéritos policiais, termos circunstanciados de ocorrência ou ações penais em curso, sem condenação passada em julgado, possam ser utilizados como fatores impeditivos desse acesso, tendo em vista o relevo dado ao princípio constitucional da presunção de inocência”.
No caso, o ministro verificou que o ato administrativo que eliminou o candidato é ilegal, uma vez que se fundamentou apenas na existência de ação penal – a qual, posteriormente, foi julgada improcedente.
“A simples propositura de ação penal não é fator impeditivo para o acesso por concurso público ao quadro funcional estatal, porque é possível uma sentença absolutória ou, mesmo em havendo uma condenatória, há chance de que o tribunal venha a reformar eventual condenação em primeiro grau de jurisdição”, afirmou.
Juízo de desvalor do cidadão
Em seu voto, Campbell Marques também explicou que o boletim de ocorrência constitui um procedimento administrativo, pré-processual, de natureza inquisitória, cuja finalidade é apurar se há indícios da prática e da autoria de uma infração penal. “O inquérito policial, portanto, e menos ainda o simples boletim de ocorrência, não têm absolutamente nenhuma aptidão para estabelecer qualquer juízo de desvalor sobre o cidadão”, disse.
O ministro destacou, ainda, que a falta de gravidade na conduta objeto da ação penal contra o candidato não ensejava a excepcionalidade descrita no julgamento do RE 560.900, no qual o Supremo Tribunal Federal considerou vedada a valoração negativa pelo simples processo em andamento, salvo situações excepcionalíssimas e de indiscutível gravidade.
No julgamento, o STF fixou que, “sem previsão constitucional adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou ação penal”.
Fonte: STJ