O Ministério Público Federal (MPF) ouviu, nessa segunda-feira (13), os relatos de um grupo de ex-metalúrgicos da Embraer sobre as perseguições que sofreram em razão de suas reivindicações trabalhistas entre o fim dos anos 1970 e a primeira metade da década seguinte. A reunião, realizada em São José dos Campos (SP), faz parte dos trabalhos do MPF para apurar a colaboração da empresa com os órgãos oficiais da ditadura militar. Os trabalhadores declaram ter sido vítimas de um forte aparato de monitoramento e repressão na fábrica e sofrido consequências graves depois de demitidos.
O inquérito sobre a Embraer é um dos procedimentos que o MPF conduz a respeito da associação entre empresas e o regime militar para a perseguição política de trabalhadores, envolvendo o compartilhamento de informações ou mesmo o auxílio às ações de repressão contra funcionários considerados “subversivos”. As apurações são conduzidas em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que fornece apoio científico e metodológico. Parte dos recursos para o financiamento das atividades advém do termo de ajustamento de conduta que o Ministério Público firmou com a Volkswagen em 2020, após investigações sobre a colaboração da montadora com a ditadura.
Segundo a procuradora da República Ana Carolina Haliuc Bragança, responsável pela apuração sobre a Embraer, encontros com os ex-trabalhadores são um passo essencial para a coleta de evidências e a definição de estratégias. “É a partir da escuta das vítimas que podemos ter subsídios para avaliar quais rumos a apuração deve tomar. Ter acesso a documentos é importante, mas essa dimensão humana não pode ser perdida”, destacou.
Estatal dirigida à época por militares, a Embraer notabilizou-se pela atuação conjunta com órgãos de repressão sobretudo nas greves de 1983 e 1984, quando, segundo os trabalhadores, forças de segurança foram utilizadas para dar fim às paralisações. Em 1984, as ações teriam contado até mesmo com o envio de aviões tripulados por agentes da Polícia da Aeronáutica, que desembarcaram armados na empresa e dispersaram os manifestantes. O movimento, que reivindicava reposição inflacionária e equiparação salarial, durou apenas dois dias e resultou na demissão de 155 funcionários, conforme os ex-metalúrgicos.
Eles argumentam, no entanto, que o combate a atividades de greve e as posteriores dispensas eram apenas a face mais evidente da ofensiva da Embraer contra os trabalhadores. De acordo com os ex-funcionários, a empresa realizava constante monitoramento interno e municiava o Serviço Nacional de Informações (SNI) e outros órgãos militares com dados sobre movimentações políticas dos operários. Quando demitidos, grevistas tinham seus nomes incluídos em uma “lista suja”, compartilhada entre companhias da região. Ser citado na relação, contam os ex-metalúrgicos, era sinônimo de longos períodos de desemprego ou de pressões constantes nas empresas onde eventualmente conseguissem trabalho.
Além dos obstáculos para se realocar, eles indicam outras dificuldades e constrangimentos enfrentados por atuarem na defesa de interesses da categoria. São relatos, por exemplo, sobre crises familiares, demissões de pessoas próximas em outras empresas pela simples relação de parentesco e efeitos psicológicos que a perseguição causou. Os ex-funcionários acreditam ter sido tratados como criminosos ao serem alvos da “lista suja” e de outras medidas que a Embraer teria empreendido para coibir e desqualificar o movimento de reivindicação.
O inquérito do MPF foi instaurado a partir de uma representação protocolada por alguns dos ex-trabalhadores da Embraer, em conjunto com a Central Sindical e Popular (Conlutas) e o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região. As apurações seguem com a elaboração de um relatório fundado em documentos históricos e depoimentos. O trabalho é desenvolvido por uma pesquisadora contratada pela Unifesp, que investiga a efetiva existência das violações relatadas.
Com informações do MPF