O Superior Tribunal de Justiça já tem, ao menos desde 2002, jurisprudências definindo as responsabilidades do Estado e das concessionárias de energia — e outros serviços essenciais — em situações que envolvem interrupções abruptas de fornecimento, dificuldades das empresas privadas de recompor o fornecimento de seus serviços e danos causados a partir do da negligência no serviço prestado.
Pela lei e pelas decisões consolidadas, o Estado tem responsabilidade civil independente de ser o titular do fornecimento do serviço, tendo em vista que a lesão ao consumidor, nestes casos, é consequência da atividade estatal (outorga de serviços públicos a terceiros).
A responsabilidade pode ser solidária ou subsidiária — e não exclui a das empresas concessionárias ou de economia mista que prestam o serviço —, a depender do serviço que é fornecido e da situação que ocorre; em casos de fornecimento de água e energia, por exemplo, o STJ já aplicou a teoria do “risco administrativo do negócio”.
Em suma, trata-se do risco assumido pela empresa privada ao licitar determinada atividade com o poder público, se comprometendo, dessa forma, a ressarcir os danos proveniente dos “perigos inerentes a sua atividade ou profissão”.
“Quanto à ré, concessionária de serviço público, é de se aplicar, em um primeiro momento, as regras da responsabilidade objetiva da pessoa prestadora de serviços públicos, independentemente da demonstração da ocorrência de culpa”, escreveu o ministro Villas Bôas Cueva em 2012 no acórdão relativo ao REsp 1.330.027.
O caso tratava de pescadores que ajuizaram ação contra empresa de economia mista que, a partir da construção de uma hidrelétrica, teria prejudicado a atividade pesqueira.
No REsp 1.095.575, ficou melhor delineada a situação em que o Estado tem responsabilidade concorrente com a empresa subsidiária para fins de indenização por danos morais e materiais. À época do julgamento, em 2010, o ministro Castro Meira, então na 2ª Turma, definiu que “há responsabilidade subsidiária do Poder Concedente, em situações em que o concessionário não possuir meios de arcar com a indenização pelos prejuízos a que deu causa”.
Neste caso específico, não se trata de empresa de energia, mas de concessionária de serviço de transporte municipal. A fundamentação, todavia, pode ser utilizada de forma analógica para casos de energia. Neste processo, o Estado foi responsabilizado por conta da insolvência da empresa concessionária — o que significa que ela seria incapaz de arcar com suas dívidas. Dessa forma, o Estado se responsabilizou pela falência da empresa privada que assumiu serviço público.
No REsp 1.268.743, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, houve posicionamento dos ministros no sentido de que o Estado também era responsável pelo atropelamento de uma mulher em rodovia que estava sob concessão particular:
“Isso porque ‘quem tem o bônus deve suportar o ônus. Aquele que participa da Administração Pública, que presta serviços públicos, usufruindo os benefícios dessa atividade, deve suportar os seus riscos, deve responder em igualdade de condição com o Estado em nome de quem atua’”, escreveu Salomão.
Ele complementou afirmando ainda que “é firme o entendimento do STJ no sentido de que as concessionárias de serviços públicos concernentes a rodovias respondem, objetivamente, por qualquer defeito na prestação do serviço, pela manutenção da rodovia em todos os aspectos. Ademais, a jurisprudência do STJ reconhece a responsabilidade do Estado em situações similares, de modo que seria conferir tratamento diferenciado à concessionária o fato de não lhe atribuir responsabilidade no caso em tela”.
Em outros casos já julgados pelo STJ, ficou consolidada a posição de que os contratos de fornecimento de água e energia para o usuário final são regidos pelo Código de Defesa do Consumidor (REsp 1.789.647). O caso é importante porque diz respeito a dano moral gerado por interrupção muito longa de fornecimento de energia elétrica pela concessionária por conta de fator climático (chuvas fortes), tal qual registrado na última semana em cidades da Grande São Paulo.
Neste caso, que tem como ré a concessionária Rio Grande Energia, que fornece o serviço para cidades do Rio Grande do Sul o ministro Herman Benjamin, relator, além de reafirmar que a litigância deveria ser observada a partir do CDC (ele afirma que o Código Civil deve ser aplicado somente em casos excepcionais), disse ainda que:
“A responsabilidade no caso em tela é objetiva, não dependendo de prova de culpa, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, exigindo apenas a existência do prejuízo, a autoria da conduta ilícita praticada e o nexo causal para a configuração do dever de indenizar, pois a demandada se trata de concessionário de serviço público.
(…) A agência reguladora dos serviços de energia elétrica estabelece no art. 176 da Resolução n. 414 de 2010, prazos para restabelecimento dos serviços de energia elétrica, os quais podem ser analogicamente aplicados ao caso em exame. Em tais situações, em que é extrapolado o prazo previsto na norma anteriormente citada, o dano moral é presumido, in re ipsa, porquanto não importa em unicamente extrapolar um indicativo de qualidade do serviço, mas indica o descumprimento de prazos máximos estabelecidos pela ANEEL.”
A análise deste tipo de ação pela perspectiva do CDC enseja uma série de regras, sendo a mais proeminente a inversão do ônus da prova. Dessa forma, cabe à concessionária provar que não causou determinado dano ao consumidor ou a terceiros correlacionados, como por exemplo a deterioração de aparelho eletrônico em função de queda de energia. Isso se dá por conta das capacidades desproporcionais de produção de provas pelas partes.
REsp 1.330.027
REsp 1.095.575
REsp 1.268.743
Com informações do Conjur