A reclusão de um condenado tolhe a sua liberdade, mas não autoriza a supressão de outros direitos fundamentais atinentes à sua dignidade e à própria vida. Com essa ponderação, a 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento à apelação da Fazenda Pública estadual e manteve a sentença que lhe impôs o dever de indenizar por dano moral três filhos de um apenado. O preso morreu após passar mal na cadeia e ser levado ao hospital
De acordo com o desembargador Martin Vargas, relator do recurso, se o Estado, diante do dever de agir por imposição legal, nada fez ou agiu de modo deficiente ou tardio, responde pela desídia, negligência, deficiência ou atraso que produziram um dano não evitado.
O julgador acrescentou que é o caso de aplicar a teoria da faute du service, em razão da omissão estatal ao conferir vigilância e assistência médica necessárias a assegurar a integridade física e a vida do preso sob a sua custódia.
A hipótese dos autos ainda é contemplada pela teoria da culpa administrativa, nos termos do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, porque ficou demonstrado o nexo de causalidade entre o dano e a falha da prestação do serviço público. O relator observou que a Fazenda de São Paulo não afastou a alegação dos autores de negligência estatal e de demora no atendimento de saúde ao detento. A apelante sustentou no recurso que o falecimento do preso decorreu de causas naturais e de fatalidade imprevisível.
“Restou demonstrado nos autos, com a segurança necessária, a existência de uma relação direta e causal entre os graves danos suportados pelos coautores, a partir do óbito de H., e a ocorrência de falha na prestação de atendimento médico e vigilância ao ex-recluso”, concluiu Vargas. Com dois, 12 e 19 anos de idade, os filhos do preso experimentaram com a morte do pai sofrimento que ultrapassa em muito o mero incômodo, em “clara violação a direitos fundamentais da personalidade”, emendou o julgador.
Os desembargadores Antonio Carlos Villen e Antonio Celso Aguilar Cortez acompanharam o relator, inclusive sobre o valor da indenização. O colegiado considerou adequada a quantia de R$ 60 mil estipulada pelo juiz Andre Luis Maciel Carneiro, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Santos (SP), porque ela não serve como fonte de enriquecimento das vítimas, mas exerce função penalizadora, em consonância com a jurisprudência do TJ-SP em casos semelhantes.
Segundo a inicial, o condenado cumpria pena no Centro de Progressão Penitenciária de Mongaguá (SP) e começou a passar mal em maio de 2019. Sem recursos para visitá-lo, a mãe do preso só soube desse fato por meio de parentes de outros detentos, que lhe disseram que o seu filho estava “jogado na cela, sem cuidado nenhum”. A direção da unidade prisional só teria providenciado a internação do sentenciado no Hospital Regional de Itanhaém após cerca de 15 dias, onde já chegou em estado grave e morreu em 6 de junho.