Embora o réu diga que não pode pagar a multa, declaração cai se Juiz decide com prova em contrário

Embora o réu diga que não pode pagar a multa, declaração cai se Juiz decide com prova em contrário

A pessoa que comete um crime pode ser condenada à pena de prisão ou de restrição de direitos (como pretação de serviços à comunidade), mas também pode ter de pagar uma multa. Para o STJ, caso o condenado cumpra a pena de prisão ou de restrição de direitos, mas declare que não tem condições financeiras de pagar essa multa, a Justiça, mesmo assim, pode reconhecer que toda a pena foi cumprida. Apesar de admitir essa declaração de pobreza, o STJ afirmou que o Ministério Público pode comprovar que a pessoa tinha sim condições de pagar a multa, caso em que situção deve ser analisada pela Justiça.

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em revisão do Tema Repetitivo 931, estabeleceu a tese de que a falta de pagamento da pena de multa, depois do cumprimento da pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, não impede a extinção de punibilidade para o condenado hipossuficiente, salvo se o juízo, em decisão motivada, entender que existem indícios de que a pessoa tem condições de arcar com a sanção pecuniária.

“Presume-se a pobreza do condenado que sai do sistema penitenciário – porque amparada na realidade visível, crua e escancarada – permitindo-se prova em sentido contrário. E, por se tratar de decisão judicial, poderá o juiz competente, ao analisar o pleito de extinção da punibilidade, indeferi-lo se, mediante concreta motivação, indicar evidências de que o condenado possui recursos que lhe permitam, ao contrário do que declarou, pagar a multa”, apontou o relator do recurso repetitivo, ministro Rogerio Schietti Cruz.

O ministro explicou que o Tema 931 já havia sido submetido a outras revisões. Na primeira delas, em 2020, o colegiado – seguindo precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 3.150 e alteração no artigo 51 do Código Penal – definiu que a sanção pecuniária impediria o reconhecimento da extinção da punibilidade.

Contudo, Schietti apontou que a posição do Supremo sobre a necessidade de pagamento da multa estava voltada especialmente às pessoas condenadas por crimes contra a administração pública e de colarinho-branco, cujas condições econômicas anteriores à condenação normalmente possibilitam o pagamento da sanção de multa.

Por consequência, em 2021, a Terceira Seção voltou a revisar o Tema 931 e fixou a tese de que o inadimplemento da pena de multa, caso o condenado comprove a impossibilidade de fazê-lo, não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade. Ainda assim, apontou Schietti, uma nova revisão da tese foi necessária para examinar a forma de comprovação da impossibilidade econômica e a quem compete a produção dessa prova.

A não extinção da punibilidade em virtude do inadimplemento da pena de multa enseja efeitos deletérios em maior grau aos mais pobres
De acordo com Rogerio Schietti, a última versão da tese repetitiva, de 2021, atribuiu ao condenado a comprovação da impossibilidade de cumprir com o pagamento da multa para obter a extinção da punibilidade, mas a jurisprudência acabou por impor um ônus excessivo a quem não possui recursos financeiros para quitar a dívida.

Ao citar a contribuição da Associação Nacional da Advocacia Criminal – que atuou como amicus curiae durante o julgamento do repetitivo –, o ministro apontou que a produção da prova de hipossuficiência se configuraria em “verdadeira prova diabólica, posto que, nesse caso, provar aquilo do qual se carece é muito mais penoso do que provar aquilo que se tem suficientemente”.

Schietti lembrou que a condenação criminal transitada em julgado gera efeitos secundários, como a suspensão dos direitos políticos e civis e a falta de acesso a benefícios. Segundo o ministro, não havendo a extinção de punibilidade pela inadimplência em relação à multa, essas restrições serão mantidas mesmo após o cumprimento da pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos.

O cenário, para o magistrado, pode aprofundar ainda mais a desigualdade socioeconômica dos egressos do sistema prisional, principalmente considerando o perfil do sistema penal brasileiro – majoritariamente jovem e negro.

Embora permita a apresentação de prova em contrário, a autodeclaração de pobreza é hábil à extinção da punibilidade
Na avaliação do relator, embora alguns presos tenham acesso a algum recurso enquanto cumprem a execução penal – seja por terem contribuído com a Previdência Social (auxílio reclusão), seja por trabalho remunerado no sistema penitenciário –, “o status de pobreza, ou mesmo de miséria econômico-financeira desse segmento populacional é notória”.

A situação, segundo ele, demonstra a necessidade de preservar a capacidade financeira do preso e de sua família, de forma a não condicionar o restabelecimento da sua cidadania e da sua capacidade de reintegração social ao pagamento de uma dívida que “se tornou impagável”, diante de uma realidade que possivelmente se tornou mais difícil do que aquela vivida no início do cumprimento da pena.

Por outro lado, o ministro lembrou que o STJ possui o entendimento de que a declaração de pobreza é dotada de presunção relativa de veracidade (artigo 99, parágrafo 3°, do Código de Processo Civil) e destacou que o STF já decidiu que o acesso ao benefício da gratuidade de Justiça não precisa de prova da insuficiência de recursos. Schietti observou, no entanto, que o Ministério Público, como fiscal da lei, poderá produzir prova em sentido contrário, e o juiz competente poderá indeferir o pedido mediante evidências de que o condenado possui recursos financeiros.

“A melhor solução, portanto, parece-me ser a de, ante a alegada hipossuficiência do condenado, extinguir a punibilidade, salvo se diversamente entender o juiz competente, em decisão suficientemente motivada e apoiada em prova constante dos autos, a indicar a possibilidade de pagamento da sanção pecuniária”, concluiu.

RECURSO ESPECIAL Nº 2090454 – SP (2023/0281974-5) RELATOR:MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Com informações STJ

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