Autor do assassinato do cunhado com 14 facadas, um comerciante foi submetido a júri popular em Praia Grande, no litoral de São Paulo, no último dia 7, e os jurados acolheram a tese defensiva de legítima defesa com excesso culposo. Com esta decisão, houve a desclassificação do delito e o réu foi condenado pela juíza Natalia Cristina Torres Antonio a dois anos de detenção, em regime aberto.
O Ministério Público (MP) denunciou o acusado por homicídio qualificado pelo motivo fútil e pelo emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Em plenário, sem fazer uso de réplica, a representante do órgão de acusação requereu aos jurados a condenação do réu nos mesmos termos da denúncia, o que o sujeitaria a uma pena de 12 a 30 anos de reclusão.
Em seu interrogatório, o réu admitiu a autoria das facadas, mas sob a alegação de que apenas se defendeu. Segundo ele, logo após se desentender com a cunhada, que o ofendeu, ela retornou com marido. Este portava uma faca, mas foi desarmado pelo acusado e golpeado com o próprio instrumento, ainda conforme a versão do comerciante.
Segundo a mulher da vítima, o seu marido não saiu armado para tirar satisfações com o réu, que sempre causou confusões na família. Ela disse que bateu na cabeça do comerciante com um cabo de vassoura para impedi-lo de praticar o crime e foi esfaqueada uma vez na coxa. Idêntico relato foi prestado pela esposa do acusado.
De acordo com o MP, ainda que houvesse legítima defesa, ela não poderia prevalecer diante do excesso doloso, caracterizado pelo número de facadas em partes vitais. Porém, os jurados acolheram o argumento defensivo, no sentido de que o excesso foi culposo e não decorrente de uma ação intencional do réu para matar a vítima.
Em relação à facada na perna da mulher do falecido, que não teve gravidade, conforme laudo, o MP pleiteou a condenação do réu por lesão corporal no contexto de violência doméstica, porque praticada no âmbito familiar. Como a decisão dos jurados sobre o homicídio afastou a competência do tribunal do júri, o julgamento do crime conexo de lesão corporal também passou à alçada da magistrada.A juíza Natália Antonio condenou o réu pela lesão corporal, porque “ausente excludente de ilicitude ou de culpabilidade de sua conduta”. Ela fixou a pena em três meses e 15 dias de detenção, mas julgou extinta a punibilidade do acusado devido à prescrição da pretensão punitiva estatal.
Em razão de os jurados reconhecerem a legítima defesa com excesso culposo, a magistrada condenou o comerciante por homicídio culposo a dois anos. O crime é punível com detenção de um a três anos. A julgadora considerou a culpabilidade do agente e as consequências do delito para aplicar o patamar intermediário da sanção, prevista no artigo 121, parágrafo 3º, do Código Penal.
Conforme a sentença, a culpabilidade deve ser valorada negativamente, porque as 14 facadas desferidas na vítima sugerem por parte do réu, “senão extrema ausência de diligência, agressividade acima da média”. A juíza também assinalou que a morte deixou órfãs duas crianças, na época com 8 e 10 anos de idade, e “indeléveis rastros e traumas psicológicos naqueles que presenciaram o desfecho trágico e nos membros da família”.
O crime aconteceu em um imóvel onde ficava a loja do comerciante e a casa das vítimas, no dia 9 de outubro de 2015. Autuado em flagrante, o acusado teve a preventiva decretada e permaneceu preso até 13 de setembro de 2017 — quase o tempo de pena agora fixado. Na véspera da soltura, ele havia sido submetido a júri e o conselho de sentença acolheu a tese de legítima defesa com excesso culposo.
O MP recorreu e, em 26 de julho de 2018, a 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) deu provimento à apelação por unanimidade, ressalvando ser uma hipótese de exceção ao princípio da soberania dos veredictos do tribunal do júri. “A decisão proferida afigura-se manifestamente contrária à prova dos autos, não restando outra alternativa que não a anulação do julgamento”, votou o relator, desembargador Augusto de Siqueira.
Após a realização do segundo júri, acusação e defesa manifestaram que não recorrerão. A juíza homologou a renúncia das partes ao recurso na ata do julgamento e determinou que seja certificado o trânsito em julgado da sentença. A pena imposta está praticamente cumprida, porque o réu ficou preso preventivamente durante um ano e 11 meses.
Fonte: Conjur