Em Minas Gerais, humorista não precisa indenizar espectadores por discordarem das suas piadas

Em Minas Gerais, humorista não precisa indenizar espectadores por discordarem das suas piadas

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Minas Gerais – A sátira ainda que ácida, deve ser protegida porque, no fundo, é da liberdade de expressão que se está cuidando. Com esse entendimento, o Juizado Especial Cível de Teófilo Otoni (MG), julgou improcedente um pedido de indenização por dano moral ajuizado contra o humorista Gustavo Mendes por dois espectadores. Os integrantes da plateia ficaram ofendidos por divergências ideológicas e tentaram impedir o artista de apresentar o espetáculo.

Em agosto de 2019, o humorista fazia um show na cidade quando cerca de 30 pessoas começaram a hostilizá-lo por discordar do conteúdo satírico envolvendo personalidades da política. O comediante interrompeu a apresentação e propôs ao grupo que se retirasse em troca da devolução do valor pago pelo ingresso.

Eles reagiram e a discussão resultou no aumento da tensão, na paralisação do show e na saída espontânea de pessoas da plateia. Posteriormente, o humorista incluiu uma referência jocosa à cidade em seu espetáculo. Diante disso, alguns espectadores ajuizaram ação contra o artista, pleiteando indenização por danos morais com base no constrangimento e na exposição sofridos.

O juiz Renzzo Giaccomo Ronchi pontuou que em nenhum momento o humorista dirigiu qualquer palavra diretamente à pessoa do espectador, ou que algum nome especifico tenha sido usado, levando a crer que os autores da ação tomaram para si uma ofensa que, de fato, não lhes foi especificamente direcionada.

Além disso, para o magistrado, uma vez que Gustavo Mendes publica uma série de vídeos humorísticos na internet, de modo que qualquer pessoa que deseje conhecer seu estilo humorístico pode acessar esse material. Assim, não é razoável acreditar que aqueles que compraram ingresso para o espetáculo não conhecessem a linha de trabalho do artista, que atua na chamada cultura humorística de protesto, abordando os temas mais variados e controvertidos.

Dessa forma, Ronchi afirmou que, no caso, há ao menos três questões de direito que demandam proteção: o direito dos demais integrantes da plateia, que pagaram ingresso e compareceram a fim de assistir a um espetáculo humorístico do artista que apreciam; o direito do artista de desincumbir-se de sua obrigação contratual; e o direito de livre expressão artística.

Nesse ponto, citou precedentes do Supremo Tribunal Federal que firmaram uma verdadeira agenda de valorização do direito à liberdade de expressão. Portanto, a tentativa de parte da audiência de impedir o artista de se apresentar constitui uma forma de censura, o que viola frontalmente um dos princípios fundamentais em que se baseia a sociedade, ressaltou o julgador.

Chilling effect

O juiz ainda aplicou recomendação aprovada pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) durante sua 344ª sessão ordinária. A recomendação refere-se ao ajuizamento em massa de ações com pedido e causa semelhantes em face de uma pessoa ou de um grupo específico de pessoas, a fim de inibir a plena liberdade de expressão.

Segundo o magistrado Renzzo Ronchi, o CNJ classificou como judicialização predatória o ajuizamento das citadas ações em massa, que objetivam inibir a plena liberdade de expressão. O Conselho também recomendou aos tribunais brasileiros que adotem medidas concretas, aptas a agilizar a análise da ocorrência de prevenção processual, da necessidade de agrupamento de ações, bem como a análise de eventual má-fé dos demandantes para que o demandado possa efetivamente defender-se judicialmente.

O objetivo é evitar o efeito inibidor que a doutrina denominou “chilling effect“, que vem a ser o uso de mecanismos estatais para dissuadir uma pessoa de exercer direitos, em decorrência da incerteza do resultado de litígios e do receio de eventuais consequências negativas decorrentes da aplicação de sanções.

“Verifico que o caso dos autos se amolda perfeitamente à hipótese de judicialização predatória, sendo que várias ações, com pedido e causa semelhantes, foram distribuídas (inclusive por meio do mesmo escritório de advocacia) em face do mesmo humorista, em razão de fatos ocorridos no mesmo show humorístico e sob os mesmos argumentos, incidente amplamente noticiado nas redes sociais, inclusive por se tratar de artista conhecido em nível nacional”, apontou.

Diante de todo o exposto, Ronchi concluiu que, inexistindo demonstração de qualquer conduta por parte do artista a ofender os direitos da personalidade dos autores, desautorizada está a compensação almejada.

Fonte: Conjur

 

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