São comuns a compra e venda de imóveis por contratos de gaveta — aquele feito entre o vendedor e o comprador sem as formalidades legais — e preferido por muitos, já que não incidem taxas cartoriais ou pagamento de tributos no acordo realizado de maneira bem simples. O que ocorre é uma cessão de direitos, onde quem vende dá plena quitação ao ato e quem compra o faz na confiança daquele que queira se “desfazer” do imóvel.
Esse tipo de “contrato” não tem registro, ou seja, não há publicidade oficial do “ato” celebrado, mas realiza o acordo de vontade dos interessados ficando em tese “guardado em uma gaveta”.
Ocorre que, posteriormente, se a pessoa que fez a transação com o imóvel pretender regularizá-lo encontrará obstáculos, seja com o vendedor ou com o agente financeiro. De modo que, quando o imóvel for adquirido pelo cedente — aquele que vendeu— estando ainda o imóvel sob sua titularidade, importará ao cessionário — aquele que comprou — realizar a transferência para o resguardo de seus direitos.
Quando as barreiras surgem, o interessado poderá valer-se da denominada “adjudicação do imóvel”. Significa que, aquele que encontra resistência em regularizar o imóvel adquirido por contrato de gaveta, poderá socorrer-se do poder judiciário para obrigar aquele que por direito, ou agente financeiro, proceda a entrega definitiva do imóvel, mediante ordem judicial.
Nos autos do processo n° 0610756-67.2019.8.04.000, a mulher alegou que realizou contrato de compra e venda, e que por tratar-se de imóvel em um bairro planejado pela gestão estadual Secretaria de Estado de Habitação – SUHAB, dirigiu-se até a sede para solicitar a transferência do imóvel e lá comunicaram-lhe que somente o adquirente original ou seus herdeiros poderiam retirar o documento necessário.
Ainda conforme as alegações da autora, o imóvel estava no nome de mulher já falecida. Após tentativas frustradas, socorreu-se da justiça.
Em contestação, a SUHAB alegou que a mulher não tem legitimidade na lide — aquele a quem a lei assegura o direito de invocar a tutela jurisdicional — e que nesse caso, a falecida ou os seus herdeiros quem deveriam propor a ação.
Alegou ainda, que o contrato foi realizado em 2006 e que deveria ter anuência do agente financeiro, não sendo alcançada, nesse caso, as hipóteses da Lei n° 8.692/93, em seu art. 20, que diz: “aqueles contratos que tenham sido celebradas entre o mutuário e o adquirente até 25 de outubro de 1996, sem a interveniência da instituição financiadora, poderão ser regularizados.”
Em sentença, o juiz Paulo Fernando Britto Feitoza, da 4ª Vara da Fazenda Pública, decidiu que: “entende-se que não assiste razão à ré, na medida em que a questão gira em torno da possibilidade da demandante promover a alteração do registro do imóvel em questão por ter obtido a sua propriedade por meio de contrato de compra e venda”.
E, ainda: “a compra do imóvel pela autora se enquadra perfeitamente nas disposições da Lei nº 4.577/2018, porquanto a alienação se deu no ano de 2007, comprovada pelo documento de fls. 17/22. Outrossim, não restam dúvidas acerca da total quitação dos contratos de compra e venda, o que permite, verdadeiramente, o acolhimento do pedido autoral.”
Assim, julgou a ação procedente para determinar a SUHAB a adjudicação compulsória do imóvel e condenou a ré a honorários advocatícios.
A ré apelou da sentença.
O desembargador Airton Gentil Luís Corrêa, ao analisar recurso definiu que: ” A adjudicação compulsória é o remédio jurídico colocado à disposição de quem, munido de contrato de promessa de compra e venda ou título equivalente, não logra êxito em obter a escritura definitiva. A legitimidade de parte é uma das condições da ação e seja matéria de ordem pública que pode ser apreciada a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição. O cessionário do imóvel financiado é parte legítima para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos por meio de contrato de gaveta, uma vez que com o avento da lei nº 10.150/2000 teve reconhecido o direito de substituir os direitos e obrigações do contrato.
O Acórdão traduz decisão que conheceu do recurso e negou provimento, uma vez que não acolheu os fundamentos que mantinha posicionamento diverso contra a regularização pelo comprador.
A decisão do relator prossegue ensinando que: “resta demonstrada a quitação do imóvel, tanto no negócio originário, com na cessão, além de não se verificar prejuízo à SUHAB, tampouco aos herdeiros do primitivo adquirente, que se declararam cientes, resultando viável a adjudicação do imóvel. Havendo situação de fato plenamente consolidada no tempo (desde 2007), deve-se reconhecer a validade da cessão, sob pena malferir a boa-fé dos contratantes e violar o princípio da segurança jurídica”.
Veja o acórdão.: