Efeitos genéricos da decisão do STF sobre imprensa pode levar a abusos, avaliam juristas

Efeitos genéricos da decisão do STF sobre imprensa pode levar a abusos, avaliam juristas

Advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico afirmaram que a decisão do Supremo Tribunal Federal que admitiu a possibilidade de responsabilização de veículos de imprensa por falas de entrevistados precisa de melhores esclarecimentos e pode levar a decisões abusivas e à autocensura.

Na sessão desta quarta-feira (29/11), a corte fixou tese segundo a qual empresas jornalísticas podem ser responsabilizadas civilmente por fala de entrevistado se à época da publicação havia indícios concretos da falsidade da imputação feita a terceiro e o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos.

O Supremo decidiu pela possibilidade de responsabilização em agosto. Estava pendente, no entanto, a elaboração da tese, porque, embora a maioria dos ministros tenha admitido a condenação, havia divergência sobre quais circunstâncias permitiriam que os veículos fossem responsabilizados. 

A tese fixada foi a seguinte: 

“1 — A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade
com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia. Admite-se a possibilidade
posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações
comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos
materiais e morais. Isso porque os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem
formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço
íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
2 — Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de
crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à
época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de
observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de
tais indícios”

Para a constitucionalista Vera Chemim, não é coerente, nem encontra respaldo na Constituição, responsabilizar veículos por falas de entrevistados, ainda que sejam consideradas injuriosas, difamatórias ou mentirosas. As sanções, explica ela, caberiam apenas ao ofensor, ficando excluída qualquer interpretação extensiva que permita a punição do veículo, salvo se o conteúdo injurioso é de sua autoria. 

“A previsão do artigo 220 da Carta Magna é clara ao afirmar que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observando-se o disposto em seu artigo 5º, que garante o atendimento dos direitos fundamentais individuais e coletivos.”

Ainda segundo ela, a tese afeta a atividade jornalística, uma vez que promove “uma espécie de ‘cala-boca’” quanto a informações sensíveis, podendo levar a casos de autocensura. A velocidade da informação, prossegue a advogada, também “inviabiliza qualquer verificação no sentido da veracidade da fala dos entrevistados”. Um exemplo disso envolve as entrevistas concedidas ao vivo. 

“A partir da decisão do STF, as empresas jornalísticas terão receio de divulgar conteúdos que possam ser reconhecidos como uma afronta aos direitos de personalidade, ao mesmo tempo em que a liberdade de expressão, pilar de um Estado democrático de Direito, estará limitada de forma desproporcional.”

Por fim, a advogada diz que a Constituição é clara ao afirmar que a liberdade de informação jornalística não pode sofrer qualquer restrição, desde que atendidas as vedações previstas no texto constitucional. “É necessário que se observe a importância da plena liberdade de expressão, notadamente a que se refere à informação jornalística, uma vez que essa liberdade constitui o pilar de um Estado democrático de Direito, levando-se em conta que a sociedade tem o direito de ser informada”. 

Para o também constitucionalista Lenio Streck, colunista da ConJur, o Supremo legislou ao estabelecer “regramento para o futuro”.

“O STF, com a tese, busca dar respostas antes das perguntas. Nenhum país do mundo faz esse tipo de norma em abstrato. Veja a extensão. Nem as leis entram nessas minúcias. Se está certa ou errada, é difícil dizer. O Judiciário pensa que pode abranger todas as hipóteses de aplicação de uma lei. Nesse ritmo, o legislador ficará sem função.”

Streck destaca o trecho da decisão que afirma que veículos de imprensa podem ser punidos se deixarem de observar o “dever de cuidado” na verificação dos fatos.

“Teríamos de investigar todas as falas do entrevistado? Ai é que está. O Judiciário quer fazer lei. Há coisas que só cada situação concreta responde. Mas o STF quer adivinhar o futuro. E controlar o futuro. E isso cria insegurança.”

Tese genérica
Taís Borja Gasparian, que integra a Comissão de Liberdade de Imprensa do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e defende veículos como Folha de S.Paulo e UOL, afirma que a decisão é confusa, não fortalece a imprensa e sujeita jornais a subjetivismos. Ela também criticou a possibilidade de remoção de conteúdo.

“Entendo que o STF possa ter tido o intuito de modular a questão, mas o resultado não é bom. A necessidade de verificação da existência de ‘indícios concretos’ de falsidade é extremamente subjetiva e certamente levará a desmandos judiciais. O que seriam ‘indícios’, ainda mais ‘concretos’? Quem interpretará a expressão?”, questionou. 

Ainda de acordo com ela, o STF adotou a “pior alternativa possível” ao admitir a retirada de conteúdos publicados pelos veículos. “A internet permite anotações posteriores ao conteúdo divulgado, de sorte que não se justifica qualquer tipo de remoção.”

Para André Fini Terçarolli, que defende a Editora Três, responsável pela publicação de revistas como a IstoÉ, a tese enfraquece a liberdade de expressão porque obriga os veículos a fazer uma espécie de “controle prévio” sobre declarações de terceiros. 

“Muitas reportagens deixarão de ser publicadas para evitar o risco de eventual responsabilidade civil, diante da ausência de meios hábeis para exercer a obrigação estipulada.” 

Também segundo ele, a decisão é genérica quanto ao que significa “observar o dever de cuidado na veracidade dos fatos” e sobre “indícios concretos da falsidade da imputação”.
 
“A análise dos parâmetros estabelecidos confere ao magistrado uma certa subjetividade para a análise do caso concreto, restando aos veículos de imprensa uma margem cinzenta de atuação a gerar insegurança jurídica e dificultar o exercício da atividade.”

Otávio Mazieiro, que atua em casos envolvendo liberdade de imprensa e expressão, diz que é preciso esclarecer melhor alguns pontos da tese para que sejam impedidas arbitrariedades na análise de casos concretos. 

“A tese fixada ainda gera certa inquietação por não ter estabelecido de forma clara que a empresa jornalística somente será responsabilizada a partir de dois requisitos primordiais: o prévio conhecimento da falsidade da informação divulgada e a má-fé do jornalista.”

“Essa parece ter sido a intenção do Supremo no julgamento. A partir desse contorno jurídico, é possível dar maior conforto ao jornalismo sério e responsável”, conclui Mazieiro.

RE 1.075.412

Fonte Conjur

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