Dia 1º de agosto é o Dia Mundial da Amamentação, data que marca também o início da Semana Mundial de Aleitamento Materno e do Agosto Dourado, mês dedicado a estimular as mães a amantarem seus filhos, instituído nacionalmente pela lei 13.435/2017. A cor dourada foi escolhida para simbolizar o incentivo à amamentação porque está relacionada ao padrão ouro de qualidade do leite materno.
O Brasil conta com uma política pública de amamentação que se fundamenta na promoção, no apoio e na proteção do aleitamento materno, através de leis que reforçam a sua importância. No caso de mulheres presas que estão grávidas ou que têm filhos recém-nascidos, esse direito deve ser especialmente observado e garantido. Embora sejam mulheres presas, seus direitos fundamentais permanecem e amamentar é um deles, assim como é direito do bebê ser amamentado.
Conforme explica a defensora pública federal Charlene Borges, secretária-geral de articulação institucional da Defensoria Pública da União (DPU), “a amamentação é entendida como um direito reprodutivo da mulher, mas também como um direito da criança. Temos como pano de fundo dessa garantia, prevista nos princípios constitucionais, a proteção integral da maternidade, da família e da própria criança”.
O aleitamento materno é reconhecido como o método de alimentação adequado ao bebê durante ao menos os primeiros seis meses de vida, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, o relacionamento afetivo entre mãe e filho influencia diretamente o desenvolvimento e a formação da personalidade do bebê. Assim, a manutenção desse vínculo é fundamental não só para a relação mãe-filho, mas também atende ao princípio do melhor interesse da criança. Embora uma instituição penitenciaria não seja o local mais adequado, a importância da mãe para os primeiros anos de vida dos filhos se sobressai às demais circunstâncias.
Realidade
Embora existam diversas previsões legais, os direitos das mulheres presas são constantemente violados e negligenciados pela ausência de interesse político e de políticas públicas voltadas para a população carcerária feminina. Um exemplo claro disso é o fato da maioria das estruturas penitenciárias destinadas às mulheres serem improvisadas. Grande parte desses estabelecimentos foram construídos para receber homens e, depois, foram convertidos em unidades prisionais femininas, desse modo, não possuem espaço apropriado para a amamentação, berçário e creche, como prevê a lei. Nos lugares em que há estrutura específica para receber mães e seus bebês, as vagas não são suficientes para atender toda a demanda.
Como explica Charlene Borges, “a maioria dos estabelecimentos prisionais não têm lactários ou um outro espaço exclusivo para a interna poder realizar amamentação com privacidade e tranquilidade. As instituições não se adequaram a essa necessidade da amamentação. Assim, muitas mulheres não conseguem ter êxito na amamentação por conta das condições inadequadas do ambiente prisional. A consequência da falta de assistência para essas parturientes e lactantes é o desmame do bebê antes mesmo do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)”.
“Temos um regulamento legal sobre a questão da amamentação no caso de mulheres encarceradas que determina em seis meses o tempo que a mãe pode ficar com o filho para amamentá-lo. No entanto, na prática, devido as circunstâncias psíquicas, pessoais, sanitárias e a falta de estrutura nas instituições prisionais; a mãe interna muitas vezes precisa fazer o que chamamos de desmame precoce”, afirma a defensora. Ela ainda ressalta ser frequente a dificuldade de adaptação dos bebês aos outros alimentos oferecidos na instituição para a alimentação dos lactentes, o que gera sofrimento e risco à saúde infantil.
Para a secretária-geral de articulação institucional da DPU, “quando ocorre o desmame ele é sempre abrupto e uma situação muito dramática. A separação repentina da mãe de seu filho, em um momento importante em que os dois estejam integrados, é extremamente prejudicial para a saúde mental, física e emocional de ambos, porque mãe e bebê, na verdade, são um binômio”.
Essa separação abrupta frequentemente gera uma ruptura permanente da relação entre mães e filhos, com as crianças sendo enviadas para instituições de acolhimento, quando as famílias das genitoras não têm disponibilidade para cuidar dos menores no período pós convivência. É importante destacar que a relação entre mãe e filho é uma troca recíproca, que promove o desenvolvimento sadio e adequado das crianças e, também, contribui para o processo de ressocialização dessas mães.
Segundo Charlene Borges, “até mesmo estabelecer um prazo de seis meses como o prazo da amamentação exclusiva não é o ideal. A OMS recomenda que os bebês e as crianças sejam amamentados até dois anos ou mais”. “A negligência do Estado brasileiro faz com que a grande maioria das mães privadas de liberdade permaneçam com seus filhos nos estabelecimentos prisionais apenas pelo período mínimo de seis meses de convívio e aleitamento materno que acaba sendo tido como prazo máximo”, afirma a defensora.
“O ideal é que houvesse o fortalecimento de políticas públicas que entendam a amamentação como uma medida importantíssima de saúde pública, tanto para a mãe quanto para o bebê. Se fizermos um recorte nos estabelecimentos prisionais, esse direito da mulher e da criança, infelizmente, não são de fato garantidos”, conclui Borges.
Legislação
Pela Constituição Federal, as mães privadas de liberdade têm o direito de permanecer com seus filhos no estabelecimento prisional ou aguardar julgamento em prisão domiciliar durante a amamentação. Assim, o Estado deve fornecer condições materiais mínimas para que as mulheres que estão presas possam conviver com seus filhos e amamentá-los durante o período tido como ideal.
Nesse sentido, a Lei de Execução Penal (LEP), lei nº 7.210/1984, determina que os estabelecimentos penais para mulheres sejam equipados com berçário, para que elas possam amamentar seus filhos dignamente por, no mínimo, seis meses, além de creche para abrigar crianças maiores de seis meses e menores de sete anos de idade, cuja responsável esteja presa. Essa lei estabelece, ainda, critérios diferenciados para progressão de regime de cumprimento de pena para as presas que forem gestantes, mães ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência. A LEP também prevê que as presas em regime aberto de cumprimento de pena que forem gestantes ou mães de filhos menores ou deficientes tenham o direito ao recolhimento em residência particular.
Ao encontro dessas normas, a Portaria Interministerial nº 210/2014, do Ministério da Justiça (MJ) e da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), instituiu a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE). Seu principal objetivo é evitar que sejam violados direitos das mulheres encarceradas, tendo entre suas metas o respeito ao período mínimo de amamentação e de convivência da mãe com o seu filho.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990, defende a prevalência do princípio do melhor interesse da criança e o direito à convivência familiar. Já no Código de Processo Penal (Decreto Lei nº 3.689) está prevista a possibilidade de substituição da prisão preventiva pela domiciliar para gestantes e mães de crianças de até 12 anos de idade.
Além da legislação nacional, o direito à amamentação também está previsto nas Regras de Bangkok, que são normas para o tratamento de reclusos, estipuladas pela Organização das Nações Unidas (ONU), como uma espécie de recomendação aos países membros. A regra nº 23 diz respeito especificamente aos estabelecimentos destinados à reclusão de mulheres e estabelece que devem existir instalações específicas para o tratamento de gestantes, bem como de parturientes (pessoas em trabalho de parto ou que deram à luz a seus filhos recentemente). Já o ponto nº 48 das Regras de Bangkok estabelece que as mulheres presas não devem ser desestimuladas a amamentar seus filhos e, ainda, devem ser orientadas sobre dieta e saúde enquanto estiverem gestantes e/ou lactantes.
Charlene Borges ressalta que “a legislação brasileira foi modificada para garantir, no caso de presas provisórias, o direito à prisão domiciliar das gestantes, das mulheres em pós-parto e das mães de crianças até 12 anos, mas nem nesses casos específicos esse direito tem sido cumprido”. “Outro direito difícil de garantir é o direito à progressão de regime de cumprimento da pena para as mulheres mães, gestantes e aquelas que são responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência”, afirma.
A defensora ainda destaca que “além do direito à amamentação, tem sido muito complicado implementar os cuidados a que a grávida tem direito durante período da gestação, como o pré-natal adequado com as consultas e avaliação nutricional. A garantia desses direitos reprodutivos da mulher e da gestante seguem sendo violados no cárcere. Nesse contexto, a atuação da DPU é essencial”.
“Existe decisão do STF sobre o assunto, mas ainda é de muito difícil a implementação. A Defensoria está sempre levando essa tese nos seus pedidos para que o direito à prisão domiciliar, no caso das presas provisórias, seja garantido”, conclui a secretária-geral de articulação institucional da DPU.
O CNJ, em parceira com instituições do projeto Mães em Cárcere de São Paulo, desenvolveu uma cartilha com o objetivo de oferecer orientações sobre os direitos das mulheres presas que estejam grávidas ou em período de amamentação, bem como daquelas que possuem filhos com menos de 18 anos ou com alguma deficiência física ou intelectual.
Agosto Dourado
O Agosto Dourado, criado pela Organização Mundial de Saúde, tem o objetivo de conscientizar a população sobre a importância do aleitamento materno e incentivar que mais mulheres adotem a prática. Durante todo o mês são realizadas atividades que buscam promover o aleitamento exclusivo até o sexto mês de vida, se estendendo, preferencialmente, até os dois anos ou mais de idade. O foco, além do fortalecimento do vínculo entre mãe e filho, está na sobrevivência, proteção e desenvolvimento da criança.
A amamentação é um investimento para salvar vidas infantis. Por meio do leite materno o bebê recebe os anticorpos da mãe que o protegem contra doenças como diarreia e infecções, principalmente as respiratórias. O risco de asma, diabetes e obesidade é menor em crianças amamentadas, mesmo depois que elas param de mamar.
Um estudo feito pelo Ministério da Saúde aponta que o porcentual de crianças que foram colocadas ao seio para serem amamentadas na primeira hora de vida é de 62,4% no Brasil. Entre crianças menores de dois anos, a prevalência do aleitamento materno é de 60,3%. Os números são melhores do que os de outros países, mas ainda podem ser melhorados.
Com informações da DPU