Os recorrentes casos relacionados à seletividade penal ampliaram, nos últimos tempos, o esmero das distintas interseções do direito em resguardar um princípio elencado no Artigo 5º da Constituição Federal: a isonomia. “O sistema é cruel em face dos socialmente excluídos,” afirma o Defensor Público Wesley Borges.
Na cidade de Caruaru, no Agreste de Pernambuco, a Defensoria Pública do Estado obteve a soltura de um réu injustamente preso preventivamente. O jovem de vinte e seis anos, primário, cuja identidade é legalmente preservada, vivia em situação de rua.
Também usuário de drogas, passou a ser perseguido por um traficante, devido a dívidas contraídas pela compra de entorpecentes. Sem condições de quitar o débito, as constantes ameaças se transformaram em violência.
“Ocorre que quando a pessoa que se defende é pobre e, ainda por cima, negra e moradora de rua, um indesejável socialmente, ela logo é tida por perigosa e lançada ao cárcere,” prosseguiu.
No final do último ano, em setembro, acompanhado de um comparsa, o traficante, armado com uma faca, agrediu violentamente o rapaz. Este, por sua vez, dispunha de uma chuncho para a produção de peças artesanais e utilizou o objeto para se proteger. Porém, o golpe desferido levou a óbito o traficante.
“Resultado: apesar de ter apenas se defendido, o jovem, por ser um excluído socialmente, teve a prisão indevidamente determinada”, comentou Wesley.
A ausência de dolo, a intenção, e o fato de se defender das agressões, enquadra o incidente na chamada legítima defesa, prevista no ordenamento jurídico, no Código Penal, como causa excludente de ilicitude.
“A vida é um direito sagrado. Logo, quem age para defender a própria vida, não pratica crime, ainda que mate outrem. Em outras palavras, quem assim age não pratica crime. A legítima defesa é considerada, inclusive, um direito natural” disse.
Apesar da denúncia oferecida pelo Ministério Público, reconhecendo a legítima defesa e a ocorrência do privilégio na conduta, o rapaz teve de aguardar preso toda instrução penal, sendo ignorado o artigo 314 do Código de Processo Penal que veda a prisão preventiva em circunstância de legítima defesa.
Com efeito, segundo o Código de Processo Penal, “Em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal”.
Assim, o jovem permaneceu indevidamente recluso durante mais de dez meses até a realização da audiência de instrução e julgamento, que contou com a participação da Defensoria Pública. A atuação defensorial comprovou a legítima defesa e a ilegitimidade da prisão, acarretando a absolvição e imediata soltura do jovem.
“O triste é que este jovem permaneceu preso por todo esse período por um simples motivo: ser pessoa em situação de rua, pobre e negra. O que seria dos necessitados, dos vulneráveis, se não fosse a Defensoria Pública?” concluiu.
Fonte: Ascom DPE-PE