A 1ª Jornada Justiça e Equidade Racial, aberta nessa segunda-feira (13) no Supremo Tribunal Federal, reuniu em duas mesas de debates a artista e deputada estadual Leci Brandão; os representantes de organizações da sociedade civil Preto Zezé e Edu Lyra; as representantes do mundo jurídico e da academia, Dora Lucia de Lima Bertulio, Thula Pires e Eunice Prudente.
Desigualdade
O presidente da Corte e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luís Roberto Barroso, conduziu a primeira mesa, com o tema “Cidades Partidas: caminhos de superação”. A deputada estadual de São Paulo, cantora e compositora Leci Brandão relembrou sua infância pobre ao lado da mãe, que não tinha moradia própria. “Pretas e pretos ficam sempre na base da pirâmide social e tudo o que a gente quer é subir”, afirmou.
Leci Brandão destacou que, na década de 70 e 80, ela já falava sobre cotas e questões da periferia nos palcos, além de abordar diversas questões sociais, como a composição sobre os povos indígenas. “É preciso entender e respeitar o outro. Minha função enquanto artista me deu condições de viajar todo o país, conhecer culturas e, principalmente, respeitá-las”, ressaltou, ao falar sobre a importância de conviver com as diferenças.
O presidente nacional da Central Única das Favelas (Cufa), Preto Zezé, afirmou que o racismo no Brasil é “sofisticado”. As pessoas assumem que existe, mas não praticam uma cultura antirracista. Por isso, segundo ele, o racismo define lugares de poder na sociedade. Para Preto Zezé, a prioridade é enfrentar a desigualdade social provocada pelo racismo, por isso os movimentos e os espaços de decisões precisam ter agendas em comum.
Ele comentou que a Cufa, para superar as cidades partidas, forma lideranças dentro das favelas, pois as pessoas precisam ser atuantes em suas lutas, e não coadjuvantes da própria história. Assim, a organização pretende mostrar para o setor público que a periferia é um lugar de investimento e possibilidade, não de custos e gastos. Preto Zezé citou, por exemplo, que realiza o evento ExpoFavela, conectando empreendedores da favela e do asfalto. “Superar a cidade partida é trazer a agenda para o Supremo também, para espaços de poder onde as questões se resolvem, para não ficarmos presos em uma agenda de misericórdia, mas de solução”, disse.
Edu Lyra, empreendedor social e idealizador da Gerando Falcões, contou a história da organização, que hoje está presente em milhares de favelas ajudando as pessoas a superarem a pobreza de maneira sistêmica. Lyra falou sobre o projeto Favela 3D (digital, digna e desenvolvida). “Construímos um presente e um futuro. Queremos que essas pessoas tenham uma emancipação social e deem um adeus definitivo à pobreza”, explicou.
Questões raciais e Direito
Abordando o tema “Direito e Relações Raciais: avanços e desafios”, a segunda mesa foi presidida por Adriana Cruz, secretária-geral do CNJ, contando com grandes figuras negras do universo acadêmico. Dora Lucia de Lima Bertulio, professora e procuradora jurídica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), propôs uma análise do Direito atual e as questões raciais sob dois vieses: científico, com a produção acadêmica, e o empírico, considerando a vivência das vidas negras. Para ela, o racismo emperra o desenvolvimento econômico e, por isso, é preciso uma percepção personalizada, e não genérica, sobre as questões socioeconômicas. “Quando discutimos questões raciais no Direito pretendemos fazer esse recorte”, comentou.
Segundo a procuradora, há um projeto ainda vivo que fundou os valores da nossa sociedade, baseado no racismo. “Estamos enredados em uma sociedade marcada pelo racismo e pela opressão do povo preto”, afirmou, ao explicar que essa luta precisa continuar, com a presença cada vez mais forte, na Suprema Corte e no poder público, para a produção de políticas públicas efetivas.
Desafios
Thula Pires, professora do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC–Rio), declarou que discutir racismo é desafiador tanto na sociedade quanto especificamente dentro do Direito. Segundo Thula, ações afirmativas aumentaram a presença das pessoas negras em cursos de Direito e nas carreiras decorrentes dele, no entanto o desdobramento ainda é escasso em decisões. “Não devemos tratar o racismo como tema, mas como fator determinante nas análises das Cortes brasileiras. Precisamos repensar toda e qualquer área do Direito levando em conta as consequências que o racismo traz para as pessoas”, comentou.
Para a docente, projetos constituintes não se encerram e a população negra entende esse processo como permanente, contínuo e necessário justamente porque tem seus direitos constitucionais negados por conta do racismo.
Eunice Prudente, professora sênior da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), ressaltou que a discriminação racial é uma realidade. Para ela, os pensadores do Direito precisam valorizar os movimentos sociais. Eunice destacou que esses movimentos, principalmente o negro, tiveram um papel histórico na construção de garantias para as pessoas. “É preciso um olhar interseccional sobre as questões raciais, de gênero, e socioeconômicas no Brasil”, disse.
A 1ª Jornada Justiça e Equidade Racial é uma iniciativa inédita voltada para o combate do racismo estrutural e institucional no Poder Judiciário, a fim de ampliar oportunidades e garantir um futuro mais inclusivo.
A programação segue até o fim de novembro. Serão realizadas ações no Superior Tribunal de Justiça (14/11), Tribunal Superior Eleitoral (20/11), Tribunal Superior do Trabalho (22 a 24/11) e Conselho Nacional de Justiça (28/11).
Com informações do STF