Bradesco deve indenizar cliente pelo ‘desvio produtivo’ após a consumidora ir várias vezes à instituição financeira buscar a devolução dos valores descontados de sua conta corrente. A decisão é do desembargador relator Paulo César Caminha, do Tribunal de Justiça do Amazonas, em ação proposta pela autora, Maria Souza, que teve a indenização deferida em segunda instância. Neste caso, os fornecedores devem indenizar o consumidor pelo tempo gasto para se resolver problemas que eles mesmos causaram.
Nos autos, a consumidora provou que desperdiçou tempo para reaver parcelas que foram descontadas indevidamente e, com isso, se retirou de suas atividades para resolver um problema causado pelo próprio banco.
A ação foi julgada improcedente em primeira instância. A autora apelou, pedindo a reforma integral da sentença, alegando prejuízos de ordem moral e temporal, demonstrando que sofreu 53 descontos ao decorrer dos anos, totalizando descontos que se aproximaram da renda mensal que detinha.
Em segunda instância se concluiu que o Bradesco não demonstrou fato impeditivo de direito da autora. “Os descontos de numerários mantidos em conta bancária, a título de ressarcimento de serviços bancários e despesas operacionais geradas pela instituição financeira, sem que o consumidor tivesse sido claramente informado de seus termos e sem possibilidade de recusa prévia, ofende norma consumerista”, editou-se.
O acórdão cita que o Banco não resolveu o problema pedido administrativamente pela autora, não se dispondo à solução rápida e adequada da demanda, utilizando de artifícios burocráticos, com desperdício de tempo vital consumidora. Firma-se que o tempo é um bem jurídico inestimável, escasso, inacumulável e irrecuperável, com reflexos em todos os aspectos da vida particular.
O injusto desperdício do tempo provoca flagrante dano ao consumidor, não podendo ser reduzido a um mero dissabor, editou a decisão, fixando danos morais para sua reparação, reconhecendo-a como dano temporal devido por violação da dignidade da autora.
Processo nº 0679992-38.2021.8.04.0001
Leia o acórdão:
Apelação Cível / Defeito, nulidade ou anulação. Relator(a): Paulo César Caminha e Lima
Comarca: Manaus. Órgão julgador: Primeira Câmara Cível. Data do julgamento: 09/02/2023. Data de publicação: 09/02/2023. Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E TEMPORAIS. PACOTE DE TARIFA BANCÁRIA. CESTA DE SERVIÇO. AUSÊNCIA DE CONTRATO OU AUTORIZAÇÃO ESPECÍFICA. ÔNUS DA PROVA DO BANCO. CABÍVEL A REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO ANTE A AUSÊNCIA DE ERRO JUSTIFICÁVEL. DANO MORAL DEVIDO POR VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE DA AUTORA. DANO TEMPORAL DEVIDO POR DESPERDÍCIO ABUSIVO DO TEMPO DA CONSUMIDORA NA SOLUÇÃO DO CONFLITO ANTE A RECALCITRÂNCIA DO BRADESCO EM RECONHECER A FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. LESÃO AUTÔNOMA EM RELAÇÃO AOS DANOS MORAIS. JUROS DE MORA EM RESPONSABILIDADE CONTRATUAL INCIDE A PARTIR DA CITAÇÃO. RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. Nos termos da Resolução nº. 3.919/2010 do Banco Central, as tarifas bancárias pela prestação de serviços devem estar previstas no contrato firmado ou terem sido previamente autorizadas ou solicitadas pelo cliente. A inexistência de previsão contratual e da efetiva autorização nos autos revela a conduta ilegal e abusiva da instituição financeira. 2. É adequada a repetição em dobro do indébito porque não se trata de erro justificável perpetrado pela instituição financeira, visto que a empresa estava ciente das Resoluções do Banco Central no que se refere à cobrança de tarifas, sendo ínsito o pleno conhecimento de tal regramento infralegal, mas, ainda assim, optou por agir de forma contrária ao ordenamento jurídico em prejuízo de seus consumidores. 3. O fundamento da condenação ao pagamento de indenização compensatória de danos morais é a violação a direito da personalidade. Havendo descontos indevidos em fonte de subsistência da consumidora, configura-se a violação à sua dignidade e, em consonância com os julgados de casos semelhantes no âmbito desta Corte, é razoável e proporcional a fixação de indenização em R$ 10.000,00 (dez mil reais). 4. O tempo é um bem jurídico inestimável, escasso, inacumulável e irrecuperável, com reflexos em todos os aspectos da vida particular, de modo que seu injusto desperdício pelo mau fornecedor gera flagrante dano ao consumidor, que é inviável de ser reduzido à esfera do mero dissabor. 5. Embora estejam inseridos no mesmo gênero de “dano extrapatrimonial”, o dano moral em sentido estrito não se confunde com o dano temporal. 6. Tendo em vista a irregular evasiva resposta do Banco acerca da solicitação da correntista, bem como a recalcitrância em devolver os valores na via extrajudicial e o desarrazoado tempo despendido pela consumidora para reaver quantia que lhe é devida, é imperioso reconhecer a existência de dano temporal indenizável. 7. Considerando a lesão provada nos autos (ida à agência bancária e duas solicitações administrativas), o valor de R$3.000,00 (três mil reais) é razoável e proporcional para atender a dupla função da reparação de dano temporal, sendo suficiente para desestimular a repetição da conduta lesiva sem, contudo, promover o enriquecimento sem causa da ofendida. 8. Diante da existência de relação contratual subjacente (abertura de conta bancária), o ato ilícito deve ser considerado inadimplemento contratual e, nessa hipótese, os juros moratórios são contabilizados a partir da citação, nos termos do art. 405 do Código Civil. 9. Recurso provido em parte. Inversão da sucumbência. Visualizar Ementa Completa