A presidente do STF e do CNJ apontou o desencontro entre o preconizado na Carta Magna e a realidade brasileira. Os indicadores de pobreza estrutural, de mortalidade infantil, de insegurança alimentar, de educação e de saneamento básico, entre outros, apontam a situação de penúria de milhares de famílias e as dificuldades para manterem seus filhos na escola e afastados do trabalho infantil. “Longe de ser a solução para os problemas financeiros da unidade familiar, o trabalho infantil é instrumento de manutenção da miséria e da desigualdade social”, afirmou.
Citando o trecho da música de Emicida, que fez parte da trilha sonora do filme “O Menino e o Mundo”, a ministra salientou que a triste realidade de tantas crianças e adolescentes não pode ser banalizada: “A voz ecoa a sós, mas ninguém responde. Miséria soa como pilhéria pra quem tem a barriga cheia, piada séria. Fadiga pra nóis, pra eles férias. Morre a esperança. E tudo isso aos olhos de uma criança”.
A ministra ressaltou que, além de todas as dificuldades existentes, o país está definindo ações coordenadas para responder a um novo desafio, referente aos ataques contra as escolas. “[Essa questão] exige enfrentamento coletivo e multidisciplinar do problema, seja nos enfoques pedagógico-educacional, seja no de segurança”.
A presidente salientou ainda a importância de investimento na primeira infância, que é a base de todo o desenvolvimento humano. “Por diversos motivos, inclusive de ordem econômica, é prioritário o investimento em tempo, planejamento e atuação na proteção, no cuidado e na educação das crianças e adolescentes”. Com base nessa premissa, e por meio do Marco Legal da Primeira Infância (Lei n.13.257/2016), o CNJ elaborou o projeto “Justiça Começa na Infância”. O projeto inclui o Pacto Nacional pela Primeira Infância, lançado em 2019 e que já conta com mais de 300 signatários.
Agora, na segunda fase do Pacto, o CNJ dá ênfase à diversidade das infâncias brasileiras, historicamente invisibilizadas. De acordo com os dados apresentados pela ministra Rosa Weber, o Brasil tem cerca de 20 milhões de crianças na primeira infância. Dessas, mais de 9 milhões fazem parte do programa Bolsa Família, de acordo com dados da Secretaria Nacional de Renda e Cidadania (SENARC) do Governo Federal. “Em um país multicultural e multiétnico como o nosso, é preciso abrir o olhar para a existência não de uma, mas de várias infâncias e as desigualdades que as cercam”, acrescentou a presidente.
Ainda como fruto do Pacto Nacional, o CNJ instituiu a Política Judiciária Nacional para a Primeira Infância (Resolução CNJ n. 470/2022), medida inédita no mundo, que assegura a prioridade dos direitos fundamentais de crianças de zero a seis anos de idade no Poder Judiciário.
Desenvolvimento integral
Para o presidente do Fórum Nacional pela Infância (Foninj), conselheiro Richard Pae Kim, “nada é mais importante do que educar uma criança e possibilitar o desenvolvimento integral, protegido, com cuidado, especialmente das mais de 30 milhões que vivem abaixo da linha da pobreza”. Ele enfatizou a preocupação com a saúde física e mental das crianças, tanto em relação à queda da vacinação – que registra que pouco menos de 60% das crianças foram vacinadas – quanto à inserção das crianças com o mundo digital.
Para o conselheiro, o debate sobre o investimento necessário para garantir todos esses direitos chega na hora certa, quando se discute o arcabouço fiscal brasileiro. “Não é possível essas garantias sem pensar em investimentos públicos”. Ele reforçou que é preciso reafirmar a intenção de dar cumprimento à disposição constitucional da prioridade absoluta em prol das crianças. Além disso, o CNJ debate o Plano Nacional de Atenção Judiciária à Primeira Infância, previsto na política lançada pela Resolução CNJ n. 470/2022. “Nosso objetivo é traçar avanços para os próximos anos, de mãos dadas com as instituições que compõem o sistema de justiça e a sociedade civil”, afirmou.
Parcerias
O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, afirmou que a atenção à infância e à adolescência é uma “tarefa gigante e não é possível que nenhuma área tome conta dela sozinha”. Ele disse também que os debates sobre a temática favorecem a troca de experiências, além de fortalecer o compromisso do governo, do setor privado e da sociedade civil organizada. “Estamos prontos para nos dar as mãos e trabalhar juntos.”
O representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) no seminário, Carlos Arboleda, destacou que “investir na proteção e no desenvolvimento das crianças na primeira infância é zelar pelo futuro das nações”. Ele parabenizou o CNJ pelo compromisso com a Agenda 2030 e pelo empenho em desenvolver conhecimento para a promoção de políticas de desenvolvimento integral das crianças brasileiras. “Espero que a troca de experiências proporcionada pela apresentação dos resultados do Diagnóstico Nacional da Primeira Infância impulsione ainda mais as políticas públicas voltadas para a primeira infância no país”, disse ao mencionar parte da programação do evento.
O representante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Moacir Nascimento, disse que a exploração comercial de infâncias está chamando a atenção do comitê que debate a temática no CNMP. Para ele, a exposição de crianças na internet está enriquecendo pessoas e pode destruir vidas. “Essa infância superexposta precisa ser objeto de normas para proteger as crianças também no meio virtual”.
Já o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDH), Ariel de Castro Alves, mencionou o aumento de 40% nos repasses de alimentação escolar. Ele também destacou a importância do enfrentamento da situação de rua das crianças. De acordo com ele, pesquisa recente no estado de São Paulo mostraram que quatro mil crianças estão vivendo na rua, entre as quais 1500 estão na primeira infância.
Para a diretora executiva do Instituto Alana, Isabella Henriques, é importante apontar caminhos e atalhos para que a sociedade civil e os maiores litigantes, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, possam qualificar sua atuação no espaço de justiça referente à prioridade absoluta da infância. “Cuidar da criança é cuidar da humanidade inteira.”
O seminário foi transmitido pelo canal do CNJ no YouTube e teve a participação dos alunos e alunas do Colégio Adventista da Asa Sul, em Brasília, na apresentação do Hino Nacional.
Com informações do CNJ