A Defensoria Pública do Amazonas impetrou habeas corpus ao STJ solicitando a anulação de um júri realizado por videoconferência, com interrogatório virtual do réu, na Comarca de Eirunepé. A alegação é a de que o interrogatório remoto prejudicou a comunicação entre réu e defesa, comprometendo a plenitude desse fundamento. Segundo a Defensoria, a ausência física do acusado impediu o adequado confronto das provas e afetou o direito constitucional de ser julgado presencialmente perante o júri popular.
A Defensoria Pública do Estado do Amazonas, por meio do Defensor Fernando Figueiredo Serejo Mestrinho, encaminhou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) um habeas corpus em que pleiteia a anulação de um júri realizado na Comarca de Eirunepé, interior do Estado, sob a alegação de irregularidades processuais graves.
O caso, que tramita sob a relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior, coloca em debate a legalidade do uso de videoconferência no Tribunal do Júri, especialmente em regiões de difícil acesso, como o interior do Amazonas.
O réu foi condenado em 15 de março de 2024 pela prática de homicídio qualificado tentado, sendo sentenciado a 13 anos de reclusão em regime inicial fechado. A condenação ocorreu durante uma sessão híbrida do Tribunal do Júri, em que o interrogatório do acusado foi realizado por videoconferência, uma medida exigida pelo juízo local com base em dificuldades logísticas e na periculosidade do réu.
O Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) manteve a validade do julgamento em sede de apelação, reafirmando que a decisão de realização do interrogatório remoto estava de acordo com os dispositivos legais vigentes.
A Defensoria argumenta que o artigo 185, § 2º, inciso II, do CPP permite a realização de interrogatórios por videoconferência apenas em situações excepcionalíssimas e devidamente fundamentadas, o que no caso não ocorreu, sustenta no writ.
A ausência de intimação prévia, no prazo mínimo de 10 dias, sobre a decisão que determinou a videoconferência, prevista no § 3º do mesmo artigo, também é apontada como um fator de nulidade. O defensor alega que o réu só tomou conhecimento da realização da sessão plenária no mesmo dia do julgamento, o que comprometeria o direito à defesa.
Questão processual: assistência jurídica e petições ignoradas
Outro ponto sensível trazido pela Defensoria no HC é a questão da assistência jurídica. O órgão defende que semanas antes do julgamento, havia formalmente solicitado o acompanhamento pela Defensoria Pública, alegando vulnerabilidade financeira e dificuldade de comunicação com seu advogado constituído. Contudo, o juízo processante desentranhou uma petição de nulidade apresentada pela Defensoria perante o júri, sob o argumento de que o réu possuía advogado constituído no processo.
A defesa questiona essa postura, argumentando que o direito à assistência jurídica é fundamental e que a Defensoria Pública atuaria como custos vulnerabilis, garantindo a proteção dos direitos do réu, ainda que houvesse uma defesa apresentada formalmente no processo. O TJAM entendeu que não pode ser confundido ausência de defesa com deficiência de defesa.
Na decisão que manteve a validade do julgamento no Amazonas, o Tribunal de Justiça afirmou que não há qualquer incompatibilidade entre o uso da videoconferência e a realização de sessões plenárias do Tribunal do Júri.
O TJAM sustentou que, no caso concreto, a juíza responsável pela condução do julgamento em Eirunepé tomou uma medida com base em dois fatores principais: a periculosidade do réu e a dificuldade de transporte e logística em uma região remota do Amazonas. Mestrinho considera que a necessidade de segurança pública influencia negativamente o julgamento do caso.
Conforme o TJAM, essas razões estariam em plena conformidade com o artigo 185, § 2º, inciso II, do CPP, que autoriza o uso de videoconferência em situações onde o transporte do réu é inviável por questões de segurança ou logística. O tribunal amazonense também rebateu a tese de falta de intimação, afirmando que todas as partes envolvidas foram devidamente notificadas.
Entretanto, Fernando Mestrinho pondera que o advogado atuante no Júri se limitou a requerer a absolvição do réu, utilizando apenas 5 minutos de seu tempo disponível, não enfocando a ausência de confissão e outros detalhes importantes que poderiam levar a absolvição, enquanto a acusação usou um tempo maior, em flagrante prejuízo que afrontou o contraditório e a ampla defesa.
Expectativa no STJ
Agora, cabe ao STJ decidir sobre a legalidade ou não das medidas adotadas pelo juízo de primeiro grau e referendadas pelo TJAM. O ministro Sebastião Reis Júnior, relator do caso, já solicitou informações ao Tribunal de Justiça do Amazonas para elucidar os fatos apresentados pela Defensoria Pública. A decisão sobre a validade do interrogatório por videoconferência em sessões do Tribunal do Júri poderá ter implicações relevantes, não apenas para o caso específico, mas também para o entendimento jurisprudencial sobre o uso de tecnologias em julgamentos em regiões de difícil acesso no Brasil.
HC nº 942076 / AM